Acórdão nº 3101/01 de Tribunal Central Administrativo Sul, 29 de Abril de 2003

Magistrado ResponsávelDulce Manuel Neto
Data da Resolução29 de Abril de 2003
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os juizes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo: A....

e esposa M....

recorrem da sentença proferida pelo Mmº Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Setúbal que julgou totalmente improcedente a impugnação que deduziram contra a liquidação de IRS relativa ao ano de 1991.

Terminaram as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: A)- QUANTO À QUESTÃO DOS CONTRATOS PROMESSA ("PENALIDADES") 1. Os distrates de contratos promessa são custos fiscais dos Alegantes, nos termos do art. 23º do CIRC, qualquer que seja o conteúdo emprestado a este conceito.

  1. Os alegantes não beneficiaram o seu património pessoal em detrimento do seu património empresarial.

  2. Estes pagamentos são imprescindíveis (e normais) à fonte produtora dos Alegantes: Apresentam uma conexão económica adequada ou conveniente com a sua actividade.

  3. O art. 23º do CIRC não faz depender a dedutibilidade fiscal dos custos do seu carácter normal; 5. A existir algum ónus do contribuinte enlaçado com o art. 23º do CIRC, será apenas um ónus material (mero dever de colaboração).

  4. Os alegantes preencheram esse ónus: ofereceram os elementos, motivos e explicações que justificaram os distrates, os quais são economicamente idóneas e convenientes à tutela dos seus interesses.

  5. Aos presentes distrates não se aplicam as als. d) e e) do nº 1 do art. 41º do CIRC, nem o nº 2 do art. 23º do CIRC (na redacção introduzida pela Lei nº 127-B/97).

  6. A consequência estabelecida na sentença recorrida - imputação destes pagamentos no imobilizado - nada tem que ver com a aplicação do art. 23º do CIRC (que estatui a indedutibilidade fiscal dos custos), mas com a figura dos gastos acessórios (que são custos fiscais por natureza).

  7. Os distrates de contratos promessa não são gastos acessórios; E ainda que o fossem a liquidação de imposto estaria enfermada de violação de lei e de vício de fundamentação (art. 77º da LGT e art. 125º do CPA).

  8. Pelo princípio da capacidade contributiva, entre dois regimes legais potencialmente aplicáveis (mas com um resultado diferente), tem de se eleger o mais benéfico para o contribuinte (aplicação do art. 23º CIRC) em lugar de se prever (como na sentença recorrida) uma ilícita forma de abatimento proporcional, sem qualquer tradução na letra e no espírito da lei.

    B)- TRATAMENTO FISCAL DOS PROVEITOS LIGADOS A ESCRITURAS PÚBLICAS CELEBRADAS EM 1991 (OBJECTO DE CONTRATOS PROMESSA CELEBRADOS EM ANOS ANTERIORES E REVELAÇÃO NOS PROVEITOS EM ANOS POSTERIORES 11. A sentença recorrida não atendeu a factos relevantes para a decisão (provados ou de conhecimento público e notório): parte dos casos referem-se a contratos promessa prometidos outorgados em anos anteriores; os alegantes integravam o Grupo A do CCI; no inventário de 1988 já não contavam os lotes em causa.

  9. De acordo com o princípio da especialização dos exercícios (à luz do art. 22º do CCI e arts. 17º e 18º do CIRC), nas escrituras de compra e venda precedidas por contratos promessa, os proveitos são registados no exercício da formalização dos contratos promessa.

  10. Esta regra é confirmada, dentro do princípio da unidade e coerência do sistema fiscal, pelo art. 2º § 1º, 2º CIMSISSD e nº 5 do art. 42º do CIRC.

  11. Ainda de acordo com este princípio, é irrelevante que o dinheiro seja recebido em anos anteriores (e que se faça a prova desse facto).

  12. Os alegantes preencheram o ónus material de colaboração e cooperação no sentido de que aquelas vendas foram registadas em anos anteriores.

  13. A sentença recorrida traduz-se numa ilícita duplicação de imposto a pagar: as mesmas vendas seriam tributadas duas vezes (no ano do contrato promessa ou em 1992 e 19934) e no ano das escrituras públicas.

  14. Ainda que os proveitos devessem ser relevados fiscalmente no ano das escrituras, os registos em causa deverão permanecer intocáveis, quer porque não resultam de omissões voluntárias e intencionais com vista à transferência de resultados entre exercícios, 18. quer porque, encontrando-se já caducos os exercícios em causa, e na impossibilidade de alterar tais declarações, promover-se-ia a uma duplicação de colecta, em violação do princípio da capacidade contributiva.

    C)- CORRECÇÕES DE VALORES SUPORTADOS EM ESCRITURAS PÚBLICAS 19. De acordo com o art. 32º do CPT e art. 39º da LGT, o Fisco, para retirar as consequências jurídico-tributárias de alegadas simulações de preço constantes de documento autêntico (tributando pelo valor do negócio real), tem previamente de obter, de forma necessária, uma decisão judicial (junto dos tribunais comuns) a declarar a invalidade (nulidade ou anulabilidade desses actos ou negócios.

  15. Dentro do princípio da unidade e coerência lógica do sistema, com vista a preservar a função dos actos notarias, essa regra é confirmada no art. 82º CIMSISSD.

  16. A Fazenda Pública (através do Ministério Público) tem legitimidade processual e interesse em agir nessa acção, por força do art. 286º e art. 287º nº 1 do C.Civil; Por força do art. 286º e art. 287º nº 1 do C. Civil; Se assim não fosse, os arts. 32º do CPT e 39º da LGT não passariam de letra morta.

  17. A lei fiscal não exclui a aplicação do art. 32º do CPT e art. 39º da LGT nas simulações de preço.

  18. O art. 32º do CPT (e art. 39º da LGT) aplica-se quer na falsidade do documento autêntico (se for forjado ou se indicar que as partes declararam algo que na verdade não disseram), quer na correcção na transposição das declarações das partes na escritura pública, não obstante as mesmas serem nulas ou anuláveis, porque viciadas por erro, dolo, coacção ou se disserem respeito a negócios simulados (v.g. quanto ao preço).

  19. A sentença recorrida viola, de forma clara e grosseira, o princípio constitucional da reserva de jurisdição (art. 202º da CRP) ao permitir que um órgão administrativo pratique actos judiciais por natureza: retirando as consequências fiscais da alegada invalidade de negócios interpartes (cobertos pela tutela e dignidade de um instrumento notarial) e definindo de forma arbitrária os valores apostos aos negócios tidos por reais.

    D)- DO NEGÓCIO COM A EMPRICONDE (ALEGADAS "RELAÇÕES ESPECIAIS") 25. o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Setúbal é competente para conhecer esta questão.

  20. E devia ter declarado, desde logo, a respectiva invalidade da liquidação de imposto, quer com base nos erros e equívocos indicados pelo fisco no procedimento tributário, em violação do princípio da boa-fé (art. 6º-A do CPA), do art. 64º nº 2 do CPT e do princípio da colaboração (art. 16º, 17º, 19º e 20º do CPT, art. 59º da LGT).

  21. quer ainda porque a liquidação de imposto violou o art. 112º nº 3 do CIRC.

  22. A ilegalidade da liquidação de imposto não é por natureza sanável, em função da dignidade e das consequências que desse acto brotam para os alegantes; afecta directamente a situação do contribuinte; inicia-se o prazo para pagamento voluntário; determina-se a existência de dívidas fiscais perante o Estado (situação com efeitos múltiplos); começam os juros moratórios; inicia-se o timing do processo executivo.

  23. A sentença recorrida e o acto tributário são ilegais por errada percepção dos factos relevantes e violação dos arts. 57º nº 1 e nº 4 do CIRC, al. b) do art. 80º do CPT e nº 3 do art. 77º da LGT.

  24. A sentença recorrida desconsiderou factos relevantes para a decisão: uns provados por documento (os terrenos eram non aedificandi; foram avaliadas por perito independente, em Esc. 15.000.000$00, com referência à data de venda à EMPRICONDE e à natureza non aedificandi); outros por deduções de conhecimento público e notório face à matéria provada (os terrenos non aedificandi são muito mais baratos que os imóveis com aptidão construtiva); A CM Sesimbra adquiriu esse terreno por um valor superior ao que seria pago por um adquirente médio.

  25. Qualquer que seja o conteúdo atribuído à al. b) do art. 80º do CPT (e al. b) do nº 3 do art. 77º da LGT), a fundamentação do acto tributário nunca a consegue cumprir, facto que preside à anulação da liquidação (por violação de lei e vício de fundamentação) e revogação da sentença recorrida.

  26. Não existe um mercado organizado ou homogéneo para a transmissão de terrenos; a fundamentação do acto tributário (e a correcção dos valores proposta) não configura a operação nos termos em que um terceiro médio (nem ávido nem desinteressado) estaria disposto a pagar por aqueles terrenos com aquelas circunstâncias.

  27. O negócio entre a EMPRICONDE e a C.M. Sesimbra não corresponde aos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias: a edilidade afectou esses terrenos a um fim não imputável por um terceiro médio; a Câmara tinha interesse em adquiri-los por um preço superior ao que um terceiro médio estaria disposto a pagar (a comparticipação do FEDER dependia do valor do projecto que dependia do valor do terreno).

  28. Sob pena de ilegalidade e inconstitucionalidade (art. 103º nº 3 da CRP) não é possível a aplicação retroactiva do conteúdo da cláusula geral antiabuso em direito fiscal, introduzida apenas no art. 32º-A do CPT (OE de 1998) e art. 38º nº 2 da LGT (Lei nº 100/99, de 26/7). De resto, tal disposição não seria inaplicável in casu porque os negócios não foram realizados com o único ou principal objectivo de se obter ilícitas vantagens fiscais.

  29. A sentença recorrida interpretou incorrectamente o nº 4 do art. 57º do CIRC: este preceito impõe a correcção simétrica à EMPRICONDE, de forma simultânea e concomitante com a liquidação aos alegantes, por motivos de prevenção da caducidade ou prescrição das correcções, prevenção de conflitualidades desnecessárias e segurança dos contribuintes.

    * * * Não foram apresentadas contra-alegações.

    O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso na consideração de que «a matéria fáctica se mostra bem elaborada, quer quanto à relevância, quer quanto à fundamentação probatória e a subsunção legal da sentença...

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