Acórdão nº 6929/02 de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Fevereiro de 2003

Magistrado ResponsávelFrancisco Rothes
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2003
EmissorTribunal Central Administrativo Sul
  1. RELATÓRIO 1.1 O Representante da Fazenda Pública (adiante Recorrente) junto do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Lisboa veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo da sentença proferida no processo acima identificado e que, julgando procedente a impugnação deduzida pela sociedade denominada "S....S.A." (adiante Contribuinte, Impugnante ou Recorrida) do Juiz do Tribunal contra a liquidação de emolumentos registrais, na parte em que foi efectuada ao abrigo do art. 1.º, n.º 3, da Tabela de Emolumentos do Registo Comercial (TERC), aprovada pela Portaria n.º 883/89, de 13 de Outubro, do montante de esc. 1.965.600$00, anulou nessa parte a liquidação e condenou o Estado no pagamento de juros indemnizatórios a favor da Impugnante, limitando o recurso à condenação em juros.

1.2 Na sentença recorrida considerou-se, em síntese, o seguinte: - porque o acto de registo respeita a redução, aumento de capital e consequente alteração do pacto social, há que concluir pela incompatibilidade da norma ao abrigo da qual foi efectuada a parte da liquidação impugnada (o referido art. 1.º, n.º 3, da TERC) com o direito comunitário, mais concretamente, com o art. 10.º da Directiva 69/355/CEE do Conselho, de 17 de Julho, alterada pela Directiva 85/303/CEE do Conselho - as normas internas conflituantes com a normas comunitárias serão julgadas inaplicáveis, inaplicabilidade que pode ser invocada a todo o tempo, enquanto a ordem jurídica nacional não transpuser para o direito interno a directiva em causa, sendo as impugnações que tenham por objecto a contrariedade de actos com a mesma não estão sujeitas aos prazos processuais de interposição previstos para tais impugnações; - a inaplicabilidade de normas internas da TERC por incompatibilidade com o direito comunitário determina a anulação judicial, por vício de violação de lei, do acto de liquidação de emolumentos efectuado ao abrigo daquelas normas; - sempre que, como na situação sub judice, por erro imputável aos serviços da Administração tributária (AT) seja liquidado montante superior ao devido, são devidos juros indemnizatórios por esse montante, se pago; - deve entender-se que há erro imputável à AT sempre que este não seja imputável ao sujeito passivo ou a terceiro.

1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 O Recorrente apresentou alegações, que concluiu nos seguintes termos: « 1) O artº 43º da LGT, sucedendo ao artº 24º do CPT, mantém, no respectivo nº 1, a garantia respeitante ao direito a juros indemnizatórios designadamente quando, em impugnação judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços de que tenha resultado pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2) Sendo certo que o erro a que se reporta o sobredito preceito será o erro não só de facto mas também de direito na liquidação, deverá, não obstante, ser demonstrada a susceptibilidade de imputação do mesmo aos serviços, bem como a necessária repercussão directa do referido erro no que respeita ao montante da dívida tributária que tenha sido objecto de pagamento, sendo, por conseguinte, indispensável proceder à indicação da quantia que seria legalmente devida.

3) Ora, no caso vertente, constata-se que não só o apuramento do montante em causa resultou da mera aplicação, pelos serviços, dos normativos então vigentes, como também não consta da sentença recorrida qualquer referência ao eventual acréscimo no que respeita ao montante objecto de pagamento, como consequência da verificação do questionado erro, não tendo, aliás, a decisão em causa procedido à definição do montante da dívida que seria legalmente exigível, sendo certo que as normas de Direito Comunitário aplicáveis não impõem a gratuitidade do serviço prestado e que não existe qualquer normativo susceptível de aplicação alternativa.

4) Decorre do supra-referido que a decisão recorrida, ao reconhecer à impugnante o direito a juros indemnizatórios sem que, para tanto se verificassem cumulativamente os pressupostos constantes do artº 43º, nº 1 da LGT, faz uma aplicação inadequada do respectivo preceito, pelo que deverá, nessa parte, ser revogada, com as legais consequências».

1.5 A Recorrida contra alegou.

Começou por arguir a incompetência deste Tribunal Central Administrativo em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, por entender que nele se suscita apenas uma questão de direito (cfr. conclusões com os n.ºs 2 a 6).

Depois, pugnou pela manutenção do decidido quanto aos juros indemnizatórios. Isto e em síntese, porque considerou que se verificam todos os requisitos do art. 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), nomeadamente o essencial - «erro imputável aos serviços» - uma vez que a falta de transposição pelo Estado Português para a ordem jurídica interna da Directiva 69/355/CEE do Conselho «consubstancia uma actuação ilícita e culposa» do Estado, do qual as Conservatórias do Registo Comercial são parte integrante, motivo por que bem andou a sentença recorrida ao reconhecer-lhe o direito a juros indemnizatórios (cfr. conclusões com os n.ºs 7 a 20).

1.6 Dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «A sentença recorrida não nos merece qualquer reparo ou crítica.

A mesma não padece dos vícios que lhe são assacados.

No sentido do decidido pode ler-se o Acórdão do STA de 03.07.2002, processo 699/02.30 onde se sumaria: "1. Os juros indemnizatórios previstos no artigo 43 da LGT e 61 do CPPT são devidos sempre que possa afirmar-se, como no caso sub judicibus, que ocorreu erro imputável aos serviços demonstrado, desde logo, pela procedência de reclamação graciosa ou impugnação judicial da correspondente liquidação».

1.7 Foram colhidos os vistos legais.

1.8 A Fazenda Pública foi notificada das contra alegações para, querendo, se pronunciar sobre a "questão prévia" aí suscitada, e nada disse.

1.9 As questões que cumpre apreciar e decidir são as seguintes: 1.ª - suscitada pela Recorrida nas contra alegações - saber se este Tribunal Central Administrativo é competente em razão da hierarquia para conhecer do recurso ou, como sustenta a Recorrida, essa competência é do Supremo Tribunal Administrativo, o que passa por indagar se o recurso tem ou não exclusivo fundamento em matéria de direito; 2.ª - saber se são ou não devidos os juros indemnizatórios que a sentença recorrida reconheceu como direito da Impugnante.

* * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos, que não vêm postos em causa e que ora reproduzimos ipsis verbis: « Em 28/10/98, no 2º Cartório Notarial de Almada, a impugnante celebrou uma escritura pública de redução, aumento de capital e consequente alteração parcial do pacto, nos termos do doc. de fls. 15 a 20, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

Em 12 de Novembro de 1998 foi apresentado na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, o requerimento do registo dessa redução, aumento de capital e consequente alteração parcial do pacto, tendo sido elaborada a respectiva conta no montante de 1.965.600$00, sendo que o montante de 1.962.000$00 corresponde ao acréscimo de emolumentos liquidado nos termos do nº 3 do artº 1º da Tabela de Emolumentos do Registo Comercial publicada na Portaria nº 883/89, de 13/10, (doc. de fls. 52).

A impugnante pagou na mesma data aquela conta de emolumentos no montante de 1.965.600$00, através do cheque cuja cópia consta de fls. 53.

A presente impugnação foi deduzida em 17/3/2000».

* 2.2 DE DIREITO 2.2.1 DA COMPETÊNCIA DESTE TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO EM RAZÃO DA HIERARQUIA A Recorrida nas contra alegações veio sustentar que o Tribunal Central Administrativo não é competente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, onde está em causa, na sua perspectiva, exclusivamente uma questão de direito: a interpretação do art. 43.º, da LGT.

A Recorrente não respondeu à excepção, se bem que tenha sido notificada para, querendo, o fazer.

É certo que, nos termos do art. 32.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pelo DL n.º 129/84, de 27 de Abril, compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer «Dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância, com...

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