Acórdão nº 5387/01 de Tribunal Central Administrativo Sul, 22 de Outubro de 2002

Magistrado ResponsávelFrancisco Rothes
Data da Resolução22 de Outubro de 2002
EmissorTribunal Central Administrativo Sul
  1. RELATÓRIO 1.1 Os Representantes do Ministério Público e da Fazenda Pública junto do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Lisboa vieram recorrer para este Tribunal Central Administrativo (TCA) da sentença proferida naquele tribunal e que, julgando procedente a impugnação deduzida pela sociedade denominada S.... (adiante Impugnante ou Recorrida) contra três liquidações de emolumentos registrais, decidiu « a) julgar improcedente a excepção de extemporaneidade da impugnação; b) recusar, por violação do disposto no artº 165, nº 1, al. i), da Constituição da República, a aplicação do artº 1º do Decreto-Lei 397/83, 2NOV, e do artº 5º, nº 1, da Tabela de Emolumentos do Notariado por ele aprovada; c) consequentemente, anular o acto de liquidação impugnado na parte em que, com base naquelas normas, procedeu à liquidação de 31.530.000$00; d) reconhecer o direito da impugnante a haver juros indemnizatórios» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, são transcrições.

    ).

    1.2 Os recursos foram admitidos, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

    1.3 Os Recorrente alegaram e formularam conclusões nos termos seguintes: 1.3.1 O Representante da Fazenda Pública: «1) A decisão recorrida contraria claramente o entendimento jurisprudencial dominante de acordo com o qual o regime aplicável à liquidação efectuada com base em preceito que se mostre em desconformidade com normas constitucionais é a anulabilidade, de que decorre, por sua vez, a inaplicabilidade, ao caso em apreço, do regime da nulidade constante do artº 134º do CPA.

    2) Assim, não sendo nula, mas, tão-só, anulável, não poderia a liquidação em causa ser impugnada a todo o tempo, mas, apenas, no prazo previsto no artº 123º, nº 1 do CPT (idêntico, aliás, ao estabelecido no artº 102º, nº 1 do CPPT), pelo que, tendo este sido largamente ultrapassado, a presente impugnação resulta manifestamente intempestiva, por tardia.

    3) O artº 43º da LGT, sucedendo ao artº 24º do CPT, mantém, no respectivo nº 1, a garantia respeitante ao direito a juros indemnizatórios designadamente quando, em impugnação judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços de que tenha resultado pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

    4) Sendo certo que o erro a que se reporta o sobredito preceito será o erro não só de facto mas também de direito na liquidação, deverá, não obstante, ser demonstrada a susceptibilidade de imputação do mesmo aos serviços, bem como a necessária repercussão directa do referido erro no que respeita ao montante da dívida tributária que tenha sido objecto de pagamento, sendo, por conseguinte, indispensável proceder à indicação da quantia que seria legalmente devida.

    5) Ora, no caso vertente, constata-se que não só o apuramento do montante em causa resultou da mera aplicação, pelos serviços, dos normativos então vigentes, como também não consta da sentença recorrida qualquer referência ao eventual acréscimo no que respeita ao montante objecto de pagamento, como consequência da verificação do questionado erro, não tendo, aliás, a decisão em causa procedido à definição do montante da dívida que seria legalmente exigível, sendo certo que as normas de Direito Comunitário aplicáveis não impõem a gratuitidade do serviço prestado e que não existe qualquer normativo susceptível de aplicação alternativa.

    6) Decorre do supra-referido que a decisão recorrida, ao considerar tempestiva a impugnação deduzida para além do prazo previsto no artº 123º, nº 1 do CPT, com base em pressuposto que se mostra claramente contrário ao entendimento jurisprudencial dominante, viola o citado preceito, tal como, ao reconhecer à impugnante o direito a juros indemnizatórios sem que, para tanto se verificassem cumulativamente os pressupostos constantes do artº 43º, nº 1 da LGT, faz uma aplicação inadequada do respectivo preceito, pelo que deverá ser revogada, com as legais consequências».

    1.3.2 O Procurador da República junto do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Lisboa: « 1- É jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores que os Emolumentos pagos pelos serviços de inscrições registrais ou pela realização de actos de escritura notariais devem ser classificados como taxas.

    2- No caso dos autos tendo sido cobrados emolumentos por três actos notariais (31530 000$00) inexistem elementos nos autos que permitam concluir que aquele montante os descaracterize como taxa transmutando esta em imposto (cfr. supra III -3 e 4. Ac. STA de 2/7/97; Ac. TC 205/87; Parecer 71/94 do CC da PGR).

    3- Embora tendo o Mtmº juiz a quo cindido a previsão normativa numa primeira parte - artºs 4º, 20º e 24º da Tabela Emolumentar (Portª 397/83 de 2/11) - considerada constitucional por respeitarem o princípio da equivalência económica e da proporcionalidade - contudo o Mtmº Juiz não dispunha de probatório bastante para inferir tal conclusão - e a do artº 5º considerada inconstitucional por ter como critério determinativo do quantum a capacidade contributiva do utilizador do serviço, não fica resolvida a questão de fundo uma vez que aquela primeira parte, sendo um montante fixo (1 600$00) não satisfaz minimamente os custos da actividade prestadora da Administração (Doutrina e Jurisprudência supra citadas (Vd supra l -1 e II.2, 3, 4 e 6).

    4- Entendeu o Mtmº Juiz a quo que os emolumentos arrecadados pelos serviços do Estado como contrapartida do serviço prestado, configuravam uma situação de confisco, negada, aliás, pela objectividade e evidência dos valores em causa (Vd. supra II- 3) e, em consequência, considerou violado o conteúdo essencial de um direito fundamental - o direito de propriedade.

    5- Dessa forma, constituindo tal vício uma nulidade, podia ser invocada a todo o tempo, não obedecendo ao prazo previsto para a utilização do meio processual em causa ínsito no artº 123 º nº 1 do CPT (90 dias).

    6- Ora, quer se trate de vício de inconstitucionalidade, quer se trate de violação do direito comunitário, não se encontra, in casu, violado o conteúdo essencial de um direito fundamental pelo que estamos, em qualquer dos casos, perante um vício de violação de lei que acarreta a mera anulabilidade e, em consequência, a sua impugnação sujeita àquele prazo de 90 dias (Vd. supra II-2. - Ac. STA de 1999.06.30 e lV-2. - Ac. STA de 01.01.17).

    7- Verificou-se a caducidade do direito de impugnar por decurso do prazo previsto no artº 123º nº 1 do CPT.

    8- A norma cuja recusa de aplicação foi feita pelo Mtmº Juiz em razão de inconstitucionalidade - artº 5º nº 1 da Tabela de Emolumentos do Notariado - não padece de tal vício por não se ter provado que o montante fixado em função do critério constante da mesma ofenda os princípios constitucionais da equivalência, da proporcionalidade e da proibição de excessos (Vd. supra II - 6 - Ac. STA de 00.12.20).

    9- Por fim nunca o Mtmº Juiz podia, in casu, reconhecer o direito da impugnante a juros indemnizatórios uma vez que não se verificam os pressupostos legais para o efeito em virtude de inexistir erro imputável aos serviços como se prevê no artº 24º do CPT, sendo manifesta a completa ausência de matéria táctica que sustentasse tais pressupostos (Vd. supra IV - 3 - Ac. STA de 5/5/99).

    10- Sendo ainda certo que, in casu, face à verificação de omissão legislativa (transposição da Directiva para o direito interno), estamos perante uma situação de responsabilidade civil extracontratual do Estado a efectivar em sede e meios próprios (Vd. supra IV - 4).

    11- Foram assim violadas, pela douta sentença ora em recurso as seguintes normas dos artigos: - Artº 123º nº1 do CPT - Artº 165º nº 1, al. i) da CRP - Artº 1º do DL 397/83 de 2/11 e artº 5º, nº 1 da Tabela de Emolumentos do Notariado - Artºs 24º do CPT ou artº 43º da LGT - Artºs 483º, 486º e 487º nº 2 do CC e artº 4º do DL 48051 de 21/11/67 Pelo exposto deve a douta sentença em recurso improceder in toto sendo substituída por outra que, considerando procedente a excepção da caducidade absolva a Fazenda Nacional e mantenha intacto os acto de liquidação impugnados ou, caso assim não se entenda, ser considerado inexistente o invocado vício de inconstitucionalidade e igualmente procedente a referida excepção.

    porque assim é de JUSTIÇA!».

    1.4 A Recorrida contra alegou, pugnando pela manutenção da sentença e formulou as seguintes conclusões: « 1. "Quer os emolumentos notariais constituam taxa, quer imposto, são incompatíveis com a alínea c) do artigo 10.º da Directiva 69/335/CEE, do Conselho, de 10 de Outubro de 1985, na interpretação dada pelo TJCE, o que torna despicienda a discussão sobre a correcta qualificação daqueles tributos" (Acórdão do S.T.A., de 13.12.2000, processo n.º 25125). Assim, não interessa verdadeiramente determinar se os emolumentos notariais e registrais constituem taxa ou imposto, pois é suficiente a constatação, já diversas vezes confirmada pelo TJCE que não possuem carácter remuneratório.

  2. É que da procedência desta questão de fundo, necessariamente resulta a tempestividade da impugnação apresentada, porquanto decorre de uma jurisprudência comunitária firmemente estabelecida - e que as doutas motivações de recurso do RFP e MP (convenientemente) omitem - que o exercício de direitos comunitários não deve tornar-se impossível, ou sequer excessiva ou indevidamente difícil em virtude da aplicação de prazos de caducidade fixados em geral na legislação nacional, por maioria de razão quando o Estado-membro tiver adoptado medidas incompatíveis com o direito comunitário.

  3. O Mtmo. Juiz a quo decidiu acertadamente, à luz do direito e jurisprudências comunitárias aplicáveis que a ora Recorrida tem direito à restituição imediata dos emolumentos impugnados, independentemente do montante que o legislador fiscal possa futuramente fixar como contrapartida do custo das operações de registo ou de notariado.

  4. Mas mesmo que assim não se entendesse, sempre estaria em causa a violação do conteúdo essencial do direito fundamental de...

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