Acórdão nº 3023/99 de Tribunal Central Administrativo Sul, 24 de Janeiro de 2002 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCândido de Pinho
Data da Resolução24 de Janeiro de 2002
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 2ª Subsecção da 1ª Secção do TCA I- A Associação Nacional de Farmácias, com sede na Rua Marechal Saldanha, nº1, em Lisboa, interpôs o presente recurso contencioso da deliberação nº 10/99, de 9 de Março de 1999 da Comissão Nacional de Protecção de Dados, que lhe indeferiu o pedido de autorização para o tratamento informatizado de dados pessoais, designado Sifarma 2000.

Ao acto imputa os vícios seguintes: 1- Violação do art. 100º do CPA, por não lhe ter sido proporcionado o direito de audiência prévia antes da decisão final, mas sim depois dela; 2- Violação do art. 101º do CPA, por não ter sido concedido o prazo de 10 dias, mas apenas 8, para a audiência prévia; 3- Violação do art. 101º, nº3, do CPA, por não ter sido realizada uma diligência que havia requerido; 4- Vício de forma, por recusa sem fundamento do pedido feito para concessão de prazo de quinze dias para junção de um parecer; 5- Erro sobre os pressupostos de facto e de direito, especificamente das Bases XII e XXI, nº2, da Lei nº 48/90, de 24/08; arts. 6º, 7º, 10º, 12º, 13ºa 20º e 23º a 28º e 57º do DL nº 48547, de 27/08/68; Portaria nº 528/88, de 8/08; art. 7º do Código Deontológico do Farmacêutico, por errar a propósito dos objectivos do Sifarma e do sistema informático proposto e por os farmacêuticos e as farmácias se integrarem no sistema de saúde e prestarem cuidados de saúde; 6- Violação do art. 7º, nº2, da citada Lei, por entender que os requisitos ali previstos se verificam em concreto; 7- Violação do art. 7º, nº4, da Lei nº 67/98, de 26 de Outubro; 8- Violação do nº2, do art. 9º da Lei nº 67/98, por se mostrarem preenchidos os pressupostos ali previstos.

Juntou documentos.

* Houve resposta da entidade recorrida, mas, porque extemporânea, foi desentranhada (fls.470/491, do III vol.).

* O processo prosseguiu para alegações, tendo a recorrente apresentado a peça de fls. 494 do III vol., reiterando no essencial a posição assumida na petição inicial.

Também a recorrida alegou, defendendo o improvimento do recurso.

* Tendo sido pela ANF requerida a junção de um extenso parecer jurídico, foi proporcionada a possibilidade de alegações complementares(vol. IV).

* O digno Magistrado do MP opinou no sentido de que o recurso não merece provimento.

* Cumpre apreciar.

*** II- Pressupostos processuais O tribunal é absolutamente competente.

O processo é o próprio e não há nulidades.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.

Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.

*** III- Os Factos 1- A Associação Nacional de Farmácias(ANF) apresentou em 6 de Agosto de 1998 à Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais(CNPD) um pedido de autorização para o tratamento informatizado de dados pessoais, designado Sifarma 2000(doc. nº1, fls. 51 e sgs).

2- O Infarmed emitiu parecer favorável ao Sifarma 2000(doc.nº2, fls. 90 a 93).

3- A CNPD, por ofício nº 252, de 12.02.99, solicitou à recorrente para que, no prazo de 8 dias, se pronunciasse sobre o teor da sua deliberação de 09.02.99, de que lhe enviou cópia(doc. nº3, fls. 94 e sgs).

4- No prazo que lhe foi concedido, a ANF pronunciou-se sobre a deliberação da CNPD(doc. nº4, fls. 120 e sgs).

5- Nessa pronúncia, a ANF solicitou à CNPD que, antes da decisão final, esta se disponibilizasse para assistir a uma demonstração do funcionamento do Sifarma 2000 no local, hora e condições que a CNPD desejasse, protestando ainda juntar um parecer jurídico solicitado aos Profs. Antunes Varela e Henrique Mesquita(cfr. fls. 131).

6- Em 8 de Março de 1999 a recorrente pediu o prazo de 15 dias para a junção do parecer mencionado em 5 supra(fls. 440 do III vol.) 7- Em 09/03/99, a CNPD tomou a deliberação 10/99, ora impugnada, em que sobre os pedidos formulados sobre a diligência e sobre o prazo para a apresentação do parecer disse não terem «relevância para a instrução e apreciação do pedido de legalização dos tratamentos»(cfr. fls. 413 a 440 do III vol.).

8- Nessa deliberação a CNPD negou ainda a autorização solicitada para o tratamento de dados nominativos por parte da CNF(loc. cit).

9- Em 03.04.2000 a CNF juntou aos presentes autos um parecer jurídico da autoria dos Profs. Henrique Mesquita e Antunes Varela(fls. 599 do IV vol.).

*** IV- O Direito 1- Começou a recorrente por arguir a violação do art. 100º do CPA, com o argumento de que, quando foi ouvida para os termos e efeitos daquela disposição legal, já a decisão final se encontrava tomada.

Não tem, obviamente, razão.

A deliberação de 09.02.99(fls. 94 a 119 do I vol.) assume-se como um projecto de decisão, sobre a qual foi a recorrente chamada a tomar posição.

Um projecto de decisão não é ainda a própria decisão. Pode ser acolhido totalmente na decisão, como alterado para mais, para menos, ou até mesmo completamente abandonado. E nisso alguma responsabilidade terá o interessado. Tudo dependerá realmente da força dos seus argumentos, da capacidade persuasiva que revele, do peso da matéria factual, da solidez, rigor e perfeição subsumptiva ao direito aplicável e, enfim, do acervo de elementos e dados que o interessado possa trazer ao procedimento, susceptíveis de influenciarem o sentido do caminho decisório para que o projecto apontava.

Portanto, ainda que o sentido não se altere, e mesmo que o seu conteúdo permaneça inalterado na decisão final, o projecto de decisão, enquanto tal, não deixa de ter essa marca de provisoriedade e de precariedade.

Ora, se desse projecto a interessada recorrente foi notificada e sobre ele opinou, esgrimindo os argumentos que quis, requerendo o que achou por bem, sugerindo diligências, debatendo novas ideias e apontando diferente rumo dispositivo, então o que é forçoso concluir é que a formalidade prevista no art. 100º do CPA de audiência prévia se mostra respeitada e cumprida. O que se pode dizer é que a recorrente não teve sorte ou não terá sido convincente na resposta que apresentou e, por isso, o teor da decisão obtida através da deliberação nº 10/99, 9 de Março de 1999(fls.413 do III vol.), viria a ser básica e essencialmente aquele que fazia parte da deliberação de Fevereiro.

Por esta razão, não podemos dar por verificado o vício.

* 2- A recorrente assevera ainda que apenas lhe foi dado o prazo de oito dias para se pronunciar sobre o referido projecto, quando não podia ser inferior a dez, violando assim o art. 101º, nº1, do CPA.

Só lhe foi concedido o prazo de oito dias que refere, isso é certo(fls. 94).

No entanto, aquele prazo legal é disciplinador e de mera ordenação procedimental, que visa adaptar a celeridade do andamento processual à dificuldade de análise da proposta de decisão ou à eventual e previsível morosidade da pronúncia que se lhe seguir. Por essa razão é que ele não é fixo e taxativo, apenas não permitindo a lei a violação do tempo mínimo de garantia, que determinou fosse de dez dias. Mas nem o desrespeito desse prazo mínimo importa necessariamente e sempre a invalidade do acto final. A concessão de um prazo menor só constituirá fonte de anulação do acto que vier a ser proferido se ficar demonstrado que o encurtamento exerceu de facto influência nefasta na organização da resposta, diminuindo desse modo o objectivo garantístico para que tende a existência de tal formalidade, que é a participação do interessado na formação da decisão final, como se sabe.

Ora, os autos mostram-nos que a perda de dois dias não impediu a recorrente de apresentar extensa e completa resposta(fls. 120 e sgs). E não se diga que o encurtamento deveria constituir motivo para a invalidação do acto final com o argumento de que, por causa dele, a recorrente não teve hipótese de tempestivamente apresentar um parecer jurídico. Tal não é verdade, pois que esse parecer jurídico apenas foi trazido aos autos em 03.04.2001(presumivelmente, logo que ficou concluído).

Em suma, a violação verificada não foi, por si só, susceptível de lesar efectivamente a esfera de direitos e interesses da recorrente, nem se mostra que tenha afectado o próprio sentido e conteúdo do acto, pelo que não tem carácter invalidante. Logo, não podemos acompanhar a recorrente no vício formal invocado, à luz do princípio do aproveitamento do acto administrativo.

* 3- Suscita ainda a recorrente a existência de nova violação do mencionado art. 101º, desta vez do seu nº3, por a recorrida não ter assistido a uma diligência que ela mesma se propôs realizar: a demonstração do funcionamento do Sifarma.

Está na lei, de facto, que na resposta os interessados podem requerer diligências complementares e juntar documentos(art. 101º, nº 3 do CPA). Este direito não é, porém, subjectivo de tal ordem que implique um dever cego de acatamento por parte da autoridade administrativa.

Quer dizer, a Administração não fica inquestionavelmente submissa e sujeita à realização das diligências que todo o interessado pretender. Àquela, dentro do espírito da discricionariedade que detém sobre o mérito da diligência instrutória, caberá um rigoroso papel de análise do objectivo pretendido com a sua realização, de modo a observá-la se for pertinente e negá-la se a achar inconveniente, inoportuna e dilatória.

Tudo dependerá, pois, do juízo de utilidade que o orgão instrutor retirar da requerida diligência, sem prejuízo, porém, da impugnação do acto final com o fundamento (a demonstrar) de que a omissão lesou efectivamente direitos e interesses relevantes( neste sentido, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, P.COSTA GONÇALVES e J. PACHECO AMORIM, in Código de Procedimento Administrativo, 2ªed., pags.459 e 467) .

Ora, no caso concreto...

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