Acórdão nº 00099/04 de Tribunal Central Administrativo Sul, 29 de Abril de 2004
Magistrado Responsável | Cristina dos Santos |
Data da Resolução | 29 de Abril de 2004 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Máquinas ......, Lda., com os sinais nos autos inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa que declarou a incompetência material do foro administrativo para conhecer do presente litígio dela vem recorrer concluindo como segue: 1. A sentença recorrida assenta no pressuposto errado de que o contrato de sub-empreitada dos autos - respeitante à Concepção/Construção dos Sistemas, Equipamentos e Estruturas de Mecânica de Cena da Casa da Música - é um contrato de direito privado. Ora, não só o contrato de "sub-empreitada" dos autos não é, verdadeiramente, uma sub-empreitada, como ainda que o fosse tal não significaria que o mesmo pudesse ser qualificado como de direito privado.
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Com efeito, resultando das disposições contratuais, designadamente das cláusulas 3a, n.° 1 e 5a, n.° 3 do "Aditamento ao Contrato de Empreitada - Contrato de Prestação de Serviços de Administração das Subempreitadas e Fornecimentos Designados com Preço e Prazo Máximo Garantidos" que (I) a celebração dos Subcontratos será precedida de um procedimento concursal e que (ii) a decisão de adjudicação será tomada pela Casa da Música/Porto 2001, S.A. e face, por outro lado, às disposições específicas do contrato de sub-empreitada citadas no ponto II. a) das presentes alegações, é por demais evidente a singularidade do contrato dos autos e a sua aproximação à figura da co-empreitada.
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Ainda que assim se não entenda, o que se admite sem conceder, a verdade é que está longe de ser pacífica a natureza privada do contrato de sub-empreitada clássico. É que sendo o contrato administrativo "o acordo de vontade pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica de direito administrativo" (cfr. art. 9° do ETAF) e dependendo a existência de uma relação jurídica administrativa, nas palavras de ESTEVES DE OLIVEIRA, da "ligação expressa do contrato à realização de um resultado ou interesse especificamente protegido no ordenamento jurídico, se e enquanto se trata de uma tarefa assumida por entes da própria colectividade" é possível qualificar o contrato de sub-empreitada de obras públicas, associado à realização do mesmo interesse público do contrato de empreitada de obras públicas, como um contrato administrativo e, portanto, sujeito à sindicância dos Tribunais Administrativos.
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A isto acresce que sendo in casu a escolha do sub-empreiteiro atribuída ao dono da obra, é natural que a escolha de tal entidade tenha de resultar de um dos procedimentos de adjudicação legalmente previstos, com a observância de todos os princípios que norteiam qualquer procedimento concursal, ainda que o contrato de sub-empreitada seja a final celebrado pelo empreiteiro. O que releva na presente questão, é o facto de a decisão da escolha pertencer a uma entidade adjudicante. E, um procedimento adjudicatório é, mais do que tudo, um processo decisório.
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Por outro lado, refira-se, o acto recorrido é o acto de adjudicação, o qual foi praticado pelo dono da obra que é uma entidade qualificada como dono de obra pública e, portanto, é um acto administrativo sujeito à sindicância dos Tribunais Administrativos.
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Com efeito, a verdade é que sendo detida pelo Estado e pelo Município do Porto, e tendo funções em matéria de cultura e requalificação urbana assim como poderes e prerrogativas de autoridade (cfr. os artigos 3°, 6° e 7° do Decreto-Lei 418-B/98, de ), a Casa da Música é, para efeitos da Constituição da República Portuguesa, considerada como Administração Pública, estando sujeita aos princípios que a vinculam, nomeadamente os princípios da legalidade e da prossecução do interesse público, da imparcialidade, da igualdade, da transparência e da boa fé.
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A isto acresce que, estando a autoridade recorrida "desobrigada" da abertura de um procedimento concursal, a mesma decidiu abrir um Concurso Limitado por Convites, ao invés de fazer, como aparentemente ser-lhe-ia legítimo fazer, um ajuste directo. Ou seja, existe uma clara autovinculação por parte da autoridade recorrida à adjudicação da sub-empreitada dentro do procedimento concursal que decidiu abrir e no respeito das normas e princípios que regem esse procedimento.
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Por tudo quanto exposto, julga-se demonstrado que, sendo a autoridade recorrida uma empresa pública integrante da Administração do Estado com poderes e prerrogativas de autoridade e tendo a mesma aberto um concurso para adjudicação de um contrato de sub-empreitada de obras públicas, deve este Tribunal declarar-se competente para apreciar o presente litígio.
* A Recorrida Casa da Música/Porto 2001 SA, contra-alegou como segue (fls. 482 e ss): 1. o argumento invocado pela Recorrente, de que certas cláusulas mostrariam que o contrato sub judice configuraria um contrato de co-empreitada, é improcedente, pois que todas elas - revelando embora (como não podia deixar de ser) a existência de situações em que actos ou omissões do dono da obra se repercutem na actuação do sub-empreiteiro, e vice-versa - mostram claramente que não se trata de direitos e deveres correspectivos, que tenham como fonte uma relação contratual (um vínculo jurídico autónomo) existente entre ambos; 2. trata-se, sim; como se demonstrou, de relações legais, estatutárias ou objectivas (como se preferir), decorrentes ou da ligação funcional dos sub-empreiteiro s à realização do mesmo fim, da mesma obra, ou, quando muito, de cada um desses personagens estar autonomamente vinculado a um mesmo empreiteiro por contrato próprio, e ser necessário - dada "trabalharem" todos para a realização da mesma obra - que as suas actuações sejam consonantes e harmoniosas; 3. em segundo lugar, ao contrário do que a Recorrente pressupõe, o procedimento de concurso em apreço não tem natureza administrativa, mas sim jurídico-privada, é um procedimento pré-contratual de direito privado, comungando dessa mesma natureza todos os actos aí praticados e as declarações nele emitidas; 4. e nem se diga valer aqui o disposto do art. 3°, n° l, alínea g),do Decreto-Lei n° 59/99, claramente inaplicável à presente situação dado que o concurso em apreço não tinha em vista a celebração de um contrato de empreitada de obras públicas entre a ora Recorrida e o adjudicatário, mas, muito diferentemente, a mera designação da empresa com quem o empreiteiro geral deveria celebrar um contrato de sub-empreitada, como resulta nomeadamente do n° 2.2 do Programa do Concurso; 5. ainda que, por mera hipótese académica, se entendesse estarmos aqui perante um contrato de empreitada de obras públicas, sujeito, em abstracto ou em teoria, ao Decreto-Lei n° 59/99 - o que só por cautela de patrocínio se prevê - , a verdade é que, em derrogação dessa lei geral, o art. 7°, n° l, do Decreto-Lei n° 418-B/98 (na redacção do Decreto-Lei n° 38/2001) veio estabelecer que "até à extinção da Porto 2001, SÁ., e sempre que se verifiquem condições excepcionais de justificado interesse público, a sociedade não está sujeita ao regime do Decreto-Lei n" 59/99, no que respeita à obrigatoriedade de procedimentos de escolha do co-contratante particular; 6. vale isto por dizer que o legislador atribuiu à Recorrida, em relação às empreitadas que tivesse que contratar, uma faculdade de opção discricionária ou pelo regime das empreitadas de obras públicas ou (estatutariamente) pelo seu direito-matriz, pelo direito privado; 7. e foi, por esta última hipótese que a ora Recorrida enveredou: assim, em primeiro lugar, decretou a inaplicabilidade do Decreto-Lei n° 59/99 - como consta expressamente do n° 4 do Convite que a CASA DA MÚSICA, SÁ endereçou a várias empresas para efeitos deste concurso; 8. depois, em segundo lugar, seleccionou uma espécie ou tipo de concurso previsto na lei - o concurso limitado sem prévia apresentação de candidaturas - e introduziu-lhe modificações e alterações que, não fosse o facto de estar a actuar no âmbito do direito privado, seriam claramente ilegais (é o que sucede paradigmaticamente, entre outras, por exemplo com o n° 22 do Programa do Concurso, que prevê uma fase de negociação, inexistente e proibida nos concursos limitados da lei).
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em suma: a adjudicação objecto do presente recurso contencioso não é um acto administrativo, mas uma declaração negociai de direito privado, e, como tal, os litígios que ela suscita ficam excluídos do âmbito da jurisdição administrativa; 10.
pelo que, e também por aqui, andou bem o Tribunal a quo ao declarar a jurisdição administrativa incompetente para conhecer do presente litígio.
* A Recorrida adjudicatária ThyssenKrupp Elevadores SA contra-alegou como segue (fls. 474 e ss): 1. Todas as características da minuta de contrato apresentada no concurso em causa, são de uma pura e simples sub-empreitada e não de uma co-empreitada, como pretende a Recorrente; 2. Não existe, na minuta do contrato de sub-empreitada proposta, qualquer relação contratual directa entre o dono da obra e o sub-empreiteiro designado, respondendo este sempre e só perante o empreiteiro, que controla a execução da prestação daquele, que procede ao pagamento das facturas por aquele emitidas e que, enfim, tem, em exclusivo, poderes de prorrogação dos prazos estabelecidos; 3. O facto de a escolha do sub-empreiteiro ter cabido à Recorrida Casa da Música/Porto 2001, S.A. em nada altera a natureza jurídica do contrato celebrado, até porque a entidade adjudicante é o AGE, conforme explicitamente consta do "Convite" junto aos presentes autos; 4. Não fazendo pois qualquer sentido invocar a singularidade do contrato em causa, para o tentar aproximar da figura da "co-empreitada" em que, por definição, cada um dos empreiteiros tem um vínculo contratual directo com o dono da obra, dando-se, por conseguinte, um fenómeno de "justaposição de contratos"; 5. Por outro lado, não faz, igualmente, qualquer sentido vir invocar a natureza pública do contrato de sub-empreitada, ainda que seja uma sub-empreitada de obras públicas e, por conseguinte, sujeita ao que a este respeito preceitua o Dec. Lei...
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