Acórdão nº 00005/04.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelDr
Data da Resolução30 de Março de 2006
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO “A…, LDA.” e “ESTADO PORTUGUÊS”, ambos devidamente identificados nos autos a fls. 02, inconformados vieram ambos interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, datada de 22/09/2004, que julgou parcialmente procedente a acção administrativa comum, sob forma sumária que a primeira havia instaurado contra o segundo, condenando este a pagar àquela a quantia de 12 Uc’s a título de indemnização por danos não patrimoniais, sendo que a A. havia peticionado a condenação do R. no pagamento:

  1. Da indemnização por danos não patrimoniais em valor não inferior a € 7500,00; b) Das despesas de abertura de dossier, despesas administrativas e de expediente, taxas de justiça pagas pela A., despesas de certidões, eventuais despesas de tradução de documentos e honorários a advogado neste processo nos Tribunais Administrativos; c) Dos juros à taxa legal desde a citação; d) De todas as verbas que acresçam às atrás referidas a título de imposto que incida sobre aquelas quantias; e) Das custas e demais encargos legais, “como reembolso de taxas de justiça inicial e subsequente e preparos para despesas e quaisquer outras pagas pela autora.

    ” Formula a A., nas respectivas alegações (cfr. fls. 217 e segs.

    ), as seguintes conclusões: “(…) 1. A sentença é nula por omissão de pronúncia relativamente às alíneas b) e ss. do pedido; 2. O Estado deve ser condenado nos precisos termos do pedido; 3. Para efeito do ressarcimento dos danos morais, nada mais tinha a autora que alegar; 4. O tribunal não mandou corrigir a p.i.; 5. Se o tribunal considerava que era necessário alegar mais matéria de facto, deveria ordenar o aperfeiçoamento da p.i.; 6. Segundo o TEDH, a matéria alegada, nomeadamente no art. 18.º da p.i., constitui um facto notório e resulta das regras da experiência; 7. A indemnização fixada é irrisória; 8. As despesas constantes das alíneas b), c) e d) do pedido são devidas ao facto do incumprimento do prazo razoável, constituindo por isso um prejuízo ou dano resultante da decisão; 9. O tribunal ignorou a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem; 10. Foram violadas por errada interpretação e aplicação as disposições dos arts. 18.º, n.º 1, 20.º, n.º 4 e 22.º da CRP, bem como o art. 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o art. 1º do Protocolo n.º 1 anexo à Convenção e ainda os arts. 508.º, n.º 1-b) e 668.º, n.º 1, alíneas b) e d), do CPC e ainda o art. 88.º do CPTA; 11. Que deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido das conclusões anteriores; 12. Deve dar-se provimento ao recurso, condenando-se o Estado Português nos precisos termos constantes do pedido na p.i..

    (…).” O R., aqui ora igualmente recorrente, apresentou alegações (cfr. fls. 228 e segs.

    ), concluindo nos termos seguintes: “(…) 1. Como resulta dos autos, a A. intentou a presente acção, pretendendo efectivar a responsabilidade civil extracontratual do Estado Português, decorrente de acto ilícito traduzido no facto de não ter sido julgada em prazo razoável uma causa em que foi ré, com base no disposto no art. 22.º, da C.R.P. e no Dec. Lei n.º 48051, de 21.11.67; 2. Da matéria de facto apurada resulta que na acção em causa, em que a ora A. Foi Ré, o processo correu os seus termos normais, excepto quanto ao prazo para a prolação do despacho saneador e da sentença, onde houve, respectivamente, um atraso de cerca de 4 anos (de 30.6.94 a 8.6.98) e de 1 ano e dois meses (e 29.11.99 a 9.1.2001); 3. Dispõe o art. 22.º, da C.R.P., que “o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”; 4. Como estamos perante responsabilidade do Estado decorrente da função jurisdicional, o art. 22.º, da C.R.P., não é aplicável ao caso em apreço, pois, por um lado, aponta apenas para a responsabilidade (do Estado e demais entidades públicas) decorrente da função administrativa, não abrangendo nem podendo aplicar-se, assim, extensivamente à função jurisdicional. E por outro lado, porque a própria Constituição prevê noutros preceitos e disciplina legal a aplicar especificamente a típicos actos jurisdicionais geradores de responsabilidade do Estado, em termos muito mais restritos, o que seria incompreensível e desnecessário se toda a matéria se considerasse abrangida pelo princípio geral expresso no referido art. 22.º, o que encontra apoio em alguma jurisprudência (neste sentido, vide Ac. do S.T.A., de 9.10.90, in BMJ n.º 400); 5. Daí que o Mm.º Juiz “a quo” haja feito errada interpretação e aplicação do art. 22.º, da C.R.P.; 6. Mesmo a entender-se que o citado art. 22.º, da C.R.P., que consagra o princípio da responsabilidade directa das entidades públicas por danos causados aos cidadãos no exercício das suas funções, nelas se incluindo a função jurisdicional, é a norma directamente aplicável, por falta de lei concretizadora, então há que concluir pela aplicação do Dec. Lei n.º 48051, de 21.11.67, à responsabilidade extracontratual do Estado por actos ilícitos, como defende a douta sentença recorrida; 7. Nesse caso, sempre a existência de responsabilidade extracontratual por factos ilícitos depende do preenchimento dos requisitos ou pressupostos constantes do art. 483.º, do C. Civil, a saber: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre tal facto (ilícito e culposo) e o dano, como igualmente defende o Mm.º Juiz “a quo”; 8. A douta sentença recorrida entende que o processo em causa, em que a ora A. Foi Ré, não foi decidido em prazo razoável, o que se traduz no facto ilícito, já que o Estado não alegou que essa demora resulta de um elevado número de processos nem demonstrou, como lhe competia, ter tomado as medidas necessárias a obviar a situação; 9. Ora tal não corresponde à verdade que o Estado não tenha alegado que essa demora na prolação do despacho saneador e da sentença resulta de um elevado número de processos a correr termos na comarca de Matosinhos, como resulta claramente dos arts. 15.º, 16.º e 39.º da contestação; 10. Como igualmente não corresponde à verdade que o Estado não tenha demonstrado ter tomado as medidas necessárias a obviar à situação, como resulta claramente dos arts. 17.º a 20.º da contestação, onde é referido que foram criados 2 novos juízos, destacados 2 juízes auxiliares e nomeado um Conselheiro jubilado, o que foi publicado em Diário da República; 11. Daí que, atendendo a tais circunstâncias invocadas, não possa dizer-se que o processo não foi decidido em prazo razoável; 12. Mesmo a entender-se que não foi julgado em prazo razoável, sempre há que apurar se houve danos e se eles são consequência de tal facto ilícito e culposo; 13. Ora, como resulta da douta sentença recorrida, não foram alegados pela A. quaisquer factos concretizados da existência de danos não patrimoniais, por si sofridos, nada mais se alegando que “permita sequer, de acordo com aquelas regras da experiência, admitir que se verificaram”; 14. Ora, não existindo danos, como reconhece a douta sentença recorrida, igualmente não ocorre o nexo de causalidade entre os mesmos e o facto ilícito e culposo; 15. Por isso mesmo, não pode a douta sentença recorrida responsabilizar e condenar o R. Estado, sob pena de violação dos arts. 483.º, 496.º, n.º 1, 563.º e 564.º, n.º 1, do C. Civil; 16. Como não pode condenar o R. Estado ao pagamento das custas na sua totalidade, face ao disposto no art. 446.º, nºs. 1 e 2, do C.P.C., e uma vez que a acção foi julgada apenas parcialmente procedente; 17. Violou, assim, o Mmo Juiz “ a quo” os apontados arts. 483.º, 496.º, n.º 1, 563.º e 564.º, n.º 1, do C.C. e art. 446.º, n.º 1 e 2, do C.P.C.; 18. Por isso mesmo, deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-a por outra que absolva o R. Estado do pedido; 19. Mesmo que assim não seja entendido o que nos surpreenderia, sempre o R. Estado apenas poderia ser condenado em custas na proporção do decaimento.

    (…)”.

    A A. contra-alegou, peticionando a condenação do R. como litigante de má-fé em indemnização em valor não inferior a € 10.000,00 e despesas respectivas (cfr. fls. 247/248 dos autos).

    O R. apresentou também contra-alegações, insertas a fls. 243 e segs., nas quais conclui no sentido do improvimento do recurso jurisdicional deduzido pela A., bem como sustenta a improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé (cfr. fls. 292).

    Colhidos os vistos legais junto dos Exmos. Juízes-Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

    1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos recorrentes, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” art. 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”, pelo que os recursos jurisdicionais são “recursos de ‘reexame’ e não meros recurso de ‘revisão’” (cfr. Prof. J. C. Vieira de Andrade in: “A Justiça Administrativa (Lições)”, 7ª edição, págs. 435 e segs.; Prof. M. Aroso de Almeida e Dr. C. A. Fernandes Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, pág. 737, nota 1).

      As questões suscitadas reconduzem-se, em suma:

      1. Quanto ao recurso jurisdicional interposto pela A.

      em determinar, por um lado, se ocorre nulidade da sentença [art. 668.º, n.º 1, als. b) e d)...

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