Acórdão nº 00912/04.2BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Janeiro de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelDr. Carlos Lu
Data da Resolução19 de Janeiro de 2006
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO A…, solteiro, maior, residente no lugar da Aveneda, freguesia de S. Vicente de Pereira, concelho e comarca de Ovar, inconformado veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Viseu, datada de 22/11/2004, que julgou improcedente a acção administrativa comum, sob forma ordinária, que o mesmo havia instaurado contra ESTADO PORTUGUÊS (Ministério da Educação) e na qual peticionava a condenação do R.: 1) No pagamento da quantia de € 500.000,00 a título de indemnização pelos danos decorrentes da incapacidade permanente e absoluta para o trabalho e dos custos de terceira pessoa que diariamente lhe preste os cuidados e assistência necessários com juros desde a citação; 2) No pagamento da quantia de € 250.000,00 a título de danos morais; 3) No pagamento da quantia de € 1685,18 e juros à taxa legal desde a citação; 4) No pagamento de todas as despesas na aquisição dos medicamentos que de futuro lhe continuem e lhe venham a ser ministrados em consequência das sequelas com que ficou afectado.

Formula, nas respectivas alegações (cfr. fls. 209 e segs.

), as seguintes conclusões: “(…) 1. Como fundamento de direito da pretensão que na presente acção faz valer, o Autor invocou o disposto no art. 13º, n.º 2 (1ª parte) do Regulamento do Seguro Escolar aprovado pela Portaria 413/99 de 8 de Junho; 2. O Autor não caracteriza o evento dos autos como acidente escolar, nem por essa via vem imputar ao Réu a responsabilidade pelos prejuízos sofridos; 3. A sentença recorrida neste aspecto, faz um errado enquadramento jurídico da causa; 4. A disposição legal na qual o Autor fundamenta de direito o seu pedido, tem como pressupostos de aplicação, a qualidade de aluno da pessoa que causa o prejuízo e a sua sujeição ao poder de autoridade do órgão de administração e gestão da Escola, no momento em que pratica o facto; 5. Na conjugação das disposições constantes do Dec-Lei n.º 270/98 de 01 de Setembro, diploma que à data dos factos regulava o funcionamento dos estabelecimentos de ensino público, o H…, menor causador do dano, tinha a qualidade de aluno, e estava sujeito ao poder de autoridade da Escola no momento em que pratica o facto causador do dano ao Autor; 6. Nas circunstâncias que rodeiam o caso dos autos, configura manifesto Abuso de Direito na figuração “tu quoque”, desonerar-se o Réu da responsabilidade pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo Autor; 7. Mesmo que relativamente ao evento causador do dano haja responsabilidade de terceira pessoa, tal não afasta a responsabilidade do Réu perante o Autor; … 8. … Podendo exercer o direito de regresso, faculdade que lhe é conferida pelo disposto no art. 31º, n.º 1 do Regulamento do Seguro Escolar; 9. Foi violado o disposto no art. 13º, n.º 2 do Regulamento do Seguro Escolar aprovado pela Portaria n.º 413/99 de 8 de Junho (…).” Conclui no sentido de que deve dar-se provimento ao presente recurso jurisdicional “(…) revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se que os autos baixem à 1ª instância para prosseguirem os seus termos com vista ao apuramento dos danos sofridos pelo Autor.

” O R., ora recorrido, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 228 e segs.

), concluindo pela manutenção do julgado e improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais junto dos Exmos. Juízes-Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

  1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, n.ºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” art. 140º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”, pelo que os recursos jurisdicionais são “recursos de ‘reexame’ e não meros recurso de ‘revisão’” (cfr. Prof. J. C. Vieira de Andrade in: “A Justiça Administrativa (Lições)”, 7ª edição, págs. 435 e segs.; Prof. M. Aroso de Almeida e Dr. C. A. Fernandes Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, pág. 737, nota 1).

    As questões suscitadas reconduzem-se, em suma, em determinar se ocorreu ou não violação do art. 13º, n.º 2 do Regulamento do Seguro Escolar (Portaria n.º 413/99, de 08/06) por parte da decisão jurisdicional objecto de impugnação quando esta julgou improcedente a acção administrativa comum sob forma ordinária em presença [cfr. conclusões de recurso supra reproduzidas].

  2. FUNDAMENTOS 3.1.

    DE FACTO Da decisão recorrida e documentos juntos aos autos resultaram provados os seguintes factos: I) No ano lectivo de 1999/2000, A… e H… frequentavam o 9.º ano - Turmas A e B, respectivamente - na Escola Secundária José Macedo Fragateiro (Ovar), conforme fls. 77 e 108; II) No dia 07/12/1999, no início da manhã, os dois alunos, entraram na escola supracitada para assistir às aulas fixadas nos respectivos horários e cerca das 13 horas e 25 minutos, o aluno H…, em vez de entrar na sala para assistir à aula de Português, saiu da escola, com o A…e outros colegas do Ensino Básico pelo portão principal, sem ter sido interpelado ou impedido por quem quer que fosse, conforme fls. 3 e segs.; III) O Autor no dia identificado no número antecedente, de acordo com o horário lectivo da respectiva turma, iniciou as aulas às 9 h e 25 m e terminou o período lectivo da manhã pelas 13 h e 20 m, com a aula de Língua Portuguesa, conforme fls.77; IV) Os dois alunos em questão e os outros colegas dirigiram-se então para casa do H…, onde este apontou uma arma de fogo ao pescoço do A… e disparou, fls. 3 e segs. e 51 a 61; V) Em consequência do disparo de uma bala que se encontrava no seu interior penetrou no corpo do A… ao nível da região cervical de que resultaram fractura do maciço articular C4 e C5 e atingimento do maciço C4 e C5 à esquerda e da lâmina C5 à direita, ficando a padecer de tetraplegia completa sensitiva e motora, determinante de uma incapacidade total e permanente para o trabalho e de total dependência de terceira pessoa, conforme fls. 90 e segs.; VI) Propôs posteriormente a Acção Ordinária n.° 578/2000 no Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, pedindo a condenação do Estado Português no pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos com fundamento na omissão do dever de vigilância (art. 491.º do Código Civil), conforme fls. 80 e segs.; VII) Foi proferida decisão no âmbito da acção ordinária n.º 578/2000, tendo sido condenado o Estado Português a pagar uma indemnização de 350.000€, conforme fls. 96 e segs., decisão essa que veio a ser revogada pelo acórdão do STA de 04/12/2003 que absolveu o R. totalmente do pedido (cfr. fls. 171 a 184 dos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido); VIII) A Portaria n.º 413/99, de 8 de Junho aprovou o Regulamento do Seguro Escolar, sendo beneficiários do Seguro Escolar, os alunos do Ensino Básico e Secundário.

    IX) Por despacho de 11/09/2002 proferido pela DREC foi recusada a qualificação da ocorrência, descrita no número IV), como acidente escolar, conforme fls. 108 e segs.; X) Na fundamentação do despacho mencionado no número IX) consta que: “3.6. Não foi aberto qualquer inquérito porquanto o acidente descrito não consubstancia um acidente escolar nos termos do art. 03º da referida portaria, com os seguintes fundamentos: 3.7. Desde logo, não obstante as lesões provocadas ao aluno A... pelo evento, este não ocorreu no local e tempo de actividade escolar pressupostos constantes do n.° 1 do art. 03º.

    3.8. Por sua vez, o acidente em apreço não resultou de actividade desenvolvida com o consentimento ou sob a responsabilidade dos órgãos de gestão da escola, assim como não configura um acidente em trajecto nos termos do n.° 2 do mesmo artigo e dos arts. 21° e seguintes.

    3.9. Além disso, a qualificação do evento em apreço como acidente escolar é expressamente afastada pela alínea e) do art. 25° do mesmo diploma.

    3.10. Efectivamente essa alínea estatui que são excluídos do conceito de acidente escolar e, consequentemente da cobertura do seguro escolar “As ocorrências que resultem de actos danosos cuja responsabilidade, nos termos legais, seja atribuída a entidade extra-escolar (o proprietário da arma); 3.11. Consequentemente o n.° 2 do art. 13° da Portaria 413/99 não se aplica ao caso em apreço; 3.12. Na verdade, segundo as disposições constantes desse número, o seguro escolar garante (também) os prejuízos causados a terceiros por um aluno, desde que sujeito ao poder de autoridade do órgão de gestão da escola.

    3.13. A aplicação dessa norma decorre da qualificação de um evento como acidente escolar pelo que, face ao enunciado supra, os prejuízos causados pelo aluno Hugo Miguel ao aluno A… não são cobertos pelo seguro escolar.

    3.14. Com efeito, quando o acidente se verificou o aluno H… não estava sujeito ao poder da autoridade do órgão de gestão da escola por força do disposto no n.° 1 e na alínea a) do art. 03°, porquanto aquele não ocorreu no local da actividade escolar nem resultou de uma actividade desenvolvida com o consentimento ou sob a responsabilidade cio órgão de gestão, ainda que tenha ocorrido no tempo de actividade escolar, à qual o aluno faltou conforme atesta o seu registo de assiduidade.

  3. Face ao expendido, é nossa proposta indeferir a pretensão do requerente, por improcedente”.

    3.2.

    DE DIREITO Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise da questão suscitada para se concluir pela procedência ou improcedência da argumentação desenvolvida pelo recorrente no recurso jurisdicional “sub judice”.

    Invoca este que: “(…) Numa breve análise, o R.S.E. prevê duas espécies...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT