Acórdão nº 00038/05.1BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Junho de 2005

Magistrado ResponsávelDr. Jorge Miguel Barroso de Arag
Data da Resolução02 de Junho de 2005
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: “Hospital Padre Américo Vale do Sousa, SA.”, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Penafiel datada de 9/03/2005 que julgou o Tribunal materialmente competente para conhecer de pedido de intimação para passagem de certidão formulado por “Clínica Médica …, SA.” e em consequência ordenou à recorrente a passagem da certidão requerida.

Alegou, tendo concluído pelo seguinte modo: I- O presente litígio não está abrangido no âmbito do art. 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, por não estar em causa uma relação jurídica administrativa, mas antes uma questão de direito privado; II- Neste sentido, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, mediante douto Acórdão proferido em 22 de Janeiro de 2004, no processo n.º 01957/03, que confirmou a sentença recorrida, que concluía que o Tribunal Administrativo de Círculo era materialmente incompetente para conhecer do objecto do recurso contencioso em causa; III- O artigo 2º do DL n.º 197/99 de 8 de Junho relativo ao regime geral da contratação pública respeitante à aquisição de bens e serviços, dispõe que o regime em causa se aplica aos organismos públicos dotados de personalidade jurídica, com ou sem autonomia financeira que não revistam a natureza, forma e designação de empresa pública; IV- Os procedimentos de contratação, designadamente o regime regra de concurso público, previstos no DL n.º 197/99 de 8 de Junho, não se aplicam à aquisição de bens e serviços por empresas públicas; V- Os estatutos da Recorrente e o regime legal das empresas públicas não estabelecem quaisquer regras relativas a procedimentos especiais a adoptar para a contratação da aquisição de bens e serviços; VI- A Recorrente não está organicamente integrada na Administração Pública e a escolha da entidade com a qual irá ser contratada a “Concessão de Exploração do Serviço de Medicina Física e Reabilitação do Hospital Padre Américo – Vale do Sousa, SA.”, não é uma decisão de gestão pública mas sim de gestão privada; VII- Não se aplicam à Recorrente, no caso concreto em apreço, os princípios e regras próprios do procedimento administrativo; VIII- A contratação da “Concessão de Exploração do Serviço de Medicina Física e Reabilitação do Hospital Padre Américo – Vale do Sousa, SA.”, pela Recorrente tem lugar, pois, sob a égide do direito privado e não está sujeita à adopção de forma obrigatória de concurso público, ou de outra modalidade de concurso prevista na lei; IX- O recurso voluntário a procedimentos similares aos dos concursos públicos, nomeadamente a apresentação de propostas simultâneas por várias entidades, não “transforma” a natureza privada do acto de contratação, nem justifica a aplicação analógica das regras procedimentais próprias dos concursos públicos; X- Do “caderno de encargos” não decorre qualquer obrigação para a Recorrente relativa à necessidade de fornecer a proposta escolhida a qualquer dos proponentes não escolhidos, não existem disposições legais aplicáveis ao procedimento adoptado que o exijam; XI- O referido procedimento pode violar as regras de funcionamento do mercado e colocar em causa as regras da concorrência; XII- A Recorrida pretende ter acesso a informação confidencial que foi confiada à Recorrente por terceiros, sem qualquer fundamento legal que justifique tal exigência; XIII- Este não é o processo adequado para apreciação de quaisquer questões relacionadas com a adjudicação da “Concessão de Exploração do Serviço de Medicina Física e Reabilitação do Hospital Padre Américo – Vale do Sousa, SA.” E que, consequentemente, não assiste qualquer razão à Recorrida; XIV- O Tribunal “a quo” deve ser julgado incompetente para a apreciação do litígio em causa, ou seja, a excepção dilatória ser julgada procedente; XV- Caso assim, não se entenda, o pedido de intimação para a passagem de certidão deverá ser julgado totalmente improcedente, por ser totalmente desadequado à situação “sub judice”.

Contra-alegou a recorrida pugnando pela improcedência do recurso.

Também o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso.

Na sentença recorrida deu-se como provada a seguinte factualidade concreta: a) O Requerido em Julho de 2004 iniciou um concurso de “Concessão de exploração do Serviço de Medicina Física e Reabilitação do Hospital Padre Américo – Vale do Sousa, SA.”, tendo em 9/07/2004 elaborado o respectivo caderno de encargos (cfr. doc. de fls. 9 a 13 dos autos); b) Em 21/07/2004 o requerido apresentou a sua proposta (cfr. doc. de fls. 14 a 20 dos autos, que aqui se tem por reproduzidas); c) Por ofício datado de 3/01/2005 a Requerente foi notificada da adjudicação do concorrente “S…, SA.” (cfr. doc. de fls. 24 dos autos); d) No dia 4 de Janeiro de 2005 a Requerente remeteu ao requerido um ofício onde solicita: “que nos seja fornecida cópia certificada do despacho do Conselho de Administração referido, bem como dos respectivos fundamentos e/ou pareceres, relatórios ou documentos equivalentes que tenham integrado o processo em análise das diversas propostas em consideração. Mais solicita que nos seja igualmente facultada cópia certificada da proposta apresentada pelo concorrente “S…, SA.” (cfr. doc. de fls. 25 dos autos aqui dado por integralmente reproduzido); e) Perante a ausência de resposta, em 18 de Janeiro do mesmo ano, e através do seu mandatário, a Requerente endereça novo pedido de informação atento o facto de terem volvido 10 dias sem resposta (cfr. doc. de fls. 27 dos autos).

A questão que se coloca nos presentes autos consiste em saber se recai ou não sobre a recorrente jurisdicional a obrigação de emitir as certidões que lhe foram requeridas pela recorrida, o que passa por saber se o concurso por si lançado estava ou não sujeito às regras de direito administrativo e consequentemente se será ou não este o Tribunal competente para conhecer do pedido aqui formulado.

Estas duas questões de conhecimento prévio já se encontram suficientemente debatidas no Acórdão deste Tribunal de 14-04-2004 proferido no processo n.º 01004/04.0BESNT em que era recorrida a “Unidade Local de Saúde de Matosinhos, SA.” e que por entendermos que se encontram correctamente analisadas o que determinou que assinássemos o referido Acórdão reproduziremos agora o mesmo na parte com interesse: “….importa atentar ao que se disciplina, primeiramente, nos arts. 214º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, 01º e 04º do ETAF e 100º do CPTA.

Determina o art. 214º, n.º 3 da C.R.P. que: "(...) Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. (...)." Prevê-se no n.º 1 do art. 01º do ETAF, sob a epígrafe de “Jurisdição administrativa e fiscal”, que: “1 - Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.” E no art. 04º, sob a epígrafe “Âmbito da jurisdição”, dispõe-se que: “1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: (…) e) Questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público; (…).” Decorre do art. 100º do CPTA que: “1 - A impugnação de actos administrativos relativos à formação de contratos de empreitada e concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens rege-se pelo disposto na presente secção e, subsidiariamente, pelo disposto na secção I do capítulo II do título III.

(…) 3 - Para os efeitos do disposto na presente secção, são equiparados a actos administrativos os actos dirigidos à celebração de contratos do tipo previsto no n.º 1 que sejam praticados por sujeitos privados, no âmbito de um procedimento pré-contratual de direito público.” Ao preceituado nestes normativos importa ainda ter em atenção o que resulta dos arts. 02º e 03º ambos do D.L. n.º 197/99, de 08/06, 01º, al. b) 2º § da Directiva Comunitária 92/50/CEE, 01º, 02º, 06º e 19º do Regime Jurídico de Gestão Hospitalar publicado em anexo à Lei n.º 27/2002, de 08/11, bem como aos respectivos Estatutos do ente recorrido (cfr. D.L. n.º 283/2002, de 10/12 alterados pelo art. 05º do D.L. n.º 126/2003, de 24/06) e ao regime previsto para o sector empresarial do Estado decorrente do D.L. n.º 558/99, de 17/12.

Assim, estipula-se no art. 02º, al. b) do referido D.L. que: “O presente diploma aplica-se às seguintes entidades: (…) b) Organismos públicos dotados de personalidade jurídica, com ou sem autonomia financeira, que não revistam natureza, forma e designação de empresa pública; (…).” E no art. 03º do mesmo D.L. prevê-se que: “(…) 1- Ficam sujeitas às disposições do capítulo XIII do presente diploma as pessoas colectivas sem natureza empresarial que, cumulativamente, sejam: a)Criadas com o objectivo específico de satisfazer necessidades de...

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