Acórdão nº 01004/04.0BESNT de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Abril de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelDr. Carlos Lu
Data da Resolução14 de Abril de 2005
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO “G…, S.A.”, sociedade comercial, com sede na Rua da Garagem, n.º …, Carnaxide, pessoa colectiva n.º …, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto - 2º Juízo, datada de 29/10/2004, que julgou procedente a excepção de incompetência em razão da matéria e absolveu da instância cautelar deduzida nos termos dos arts. 100º a 103º do CPTA contra as requeridas “UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DE MATOSINHOS, S.A.”, pessoa colectiva n.º 506.361.390, com sede na Rua Eduardo Torres, Matosinhos, e “N… S.A.”, sociedade comercial, com sede , pessoa colectiva n.º , enquanto contra-interessada, na qual era peticionada a anulação do concurso público internacional n.º 58/2003 desde a sua abertura, anulando-se todos os actos desde então praticados, designadamente, o despacho da senhora Administradora Dr.ª C…, datado de 29 de Abril de 2004 e o contrato celebrado com a “N…, S.A.”; bem como a declaração de ilegalidade do art. 03.º, n.º 2 das cláusulas jurídicas do “Regulamento de Aquisição da ULS Matosinhos, S.A” e a condenação do “Hospital Pedro Hispano” à adopção de todos os actos e operações necessários para reconstituir a situação que existiria se as ilegalidades não tivesse sido cometidas, cessando de imediato a aquisição de serviços de alimentação à N… e a retomar a execução do contrato com a G…, até à conclusão do concurso público internacional n.º 58/2003.

Formula, nas respectivas alegações (cfr. fls. 566 e segs.

), as seguintes conclusões que se reproduzem: “(...) 1) No caso dos presentes autos, estamos perante um litígio que tem por objecto questão respeitante à validade de acto pré-contratual relativo à formação de contrato a respeito do qual há lei específica que o submete a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público, a saber, o Decreto-Lei n.º 197/99 de 8/6, sendo, portanto, os tribunais administrativos os competentes para a respectiva apreciação (cfr. art. 4º n.º 1 al. e) do E.T.A.F.) 2) Conforme é salientado por Mário Bernardino, in “Aquisições de bens e serviços na Administração Pública”, 2ª Edição revista e actualizada, Almedina, p. 24 a 26: “…com a aprovação do novo regime jurídico da gestão hospitalar, os hospitais públicos integrados na rede de prestação de cuidados de saúde podem revestir figuras jurídicas distintas, para efeitos de integração no âmbito de aplicação pessoal do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho: (…) 3. Sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos (S.A.) 3.1. São hospitais que se regem pelos seus Estatutos, pelo regime jurídico do sector empresarial do Estado e pela lei reguladora das sociedades anónimas.

3.2. Quanto à realização de despesas com a locação e aquisição de bens e serviços, integram o âmbito de aplicação pessoal do diploma, embora apenas no que se refere ao capítulo XIII do Decreto-Lei n.º 197/99, que contém as disposições especiais de natureza comunitária ” (o salientado é nosso) 3) Assim, aos Hospitais, S.A. aplica-se o Decreto-Lei n.º 197/99 de 8 de Junho, e, designadamente, o seu capítulo XIII.

4) No que toca aos presentes autos, e tendo em consideração que, por um lado, o objecto do contrato é a aquisição de serviços de fornecimento de refeições, portanto, serviços incluídos no Anexo VII do Decreto-Lei n.º 197/99 (designadamente, na categoria 17 - Serviços de hotelaria e restauração) e que, por outro lado, o seu valor é superior a 200.000 euros (o valor anual da proposta da N... é de 524.925,72€ (43.743,81€ x 12 meses) - cfr. fls. 15 do doc. 3 junto com a p.i., 5) Então, à aquisição de serviços sub judice aplicam-se as disposições do capítulo XIII do Decreto-Lei n.º 197/99 de 8/6 cumulativamente com as disposições dos capítulos anteriores nos termos do disposto no seu art. 191º n.º 3.

6) O Decreto-Lei n.º 197/99 de 8/6 transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 97/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Outubro e por isso deve ser interpretado e aplicado em conformidade com a aludida Directiva, bem como com as Directivas 92/50/CEE, 93/36/CEE e 93/37/CEE (que aquela Directiva alterou).

7) Interpretação diversa ficará ferida de inconstitucionalidade por violação do artigo 8º n.º 3 da Constituição que consagra o Primado do Direito Comunitário sobre o Direito Interno.

8) A Directiva 92/50/CEE incluiu expressamente no seu âmbito subjectivo os estabelecimentos públicos de saúde, sem fazer qualquer distinção em função da forma jurídica que os mesmos assumam (cfr., o Anexo I da Directiva 71/305/CEE do Conselho de 26 de Julho de 1971 para a qual remete o artigo 1º alínea b) da Directiva 92/50/CEE, a qual foi posteriormente substituída pela lista constante do Anexo à Decisão 92/456/CEE da Comissão de 31 de Julho de 1992).

9) A Directiva n.º 97/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Outubro inclui expressamente no seu âmbito de aplicação os Hospitais, centrais e distritais, sem fazer qualquer distinção consoante a forma jurídica que revestem (cfr. Anexo I).

10) Conforme entendimento expresso no douto Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 15/5/2003, C-214/00: … o conceito de «organismo de direito público» deve ser entendido em sentido amplo (Acórdão de 27 de Fevereiro de 2003, Adolf Truley, C-373/00, ainda não publicado na Colectânea, n.º 43).

… o modo de constituição da entidade era, para o efeito, indiferente (v., neste sentido, entre outros, acórdãos Mannesmann Anlagenbau Áustria e o., já referido, n.os 6 e 29; de 10 de Novembro de 1998, BFI Holding, C-360/96, Colect., p. I-6821, n.os 61 e 62; e Comissão/França, já referido, n.os 50 e 60).

… o estatuto de direito privado de uma entidade não constitui um critério apto para excluir a sua qualificação como entidade adjudicante na acepção do artigo 1º, alínea b) das Directivas 92/50, 93/36 e 93/37 e, portanto, do artigo 1º n.º 1 da Directiva 89/665.

…o efeito útil tanto das Directivas 92/50, 93/36 e 93/37 como da Directiva 89/665 não ficaria plenamente salvaguardado se a aplicação destas directivas a uma entidade que preenchesse os três requisitos já referidos pudesse ser afastada pelo mero facto de a sua forma e o seu regime jurídico serem, nos termos do direito nacional a que estivesse sujeita, de direito privado” (o sublinhado é nosso).

11) O art. 3º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 197/99 de 8/6 que sujeita as disposições do seu cap. XIII às pessoas colectivas sem natureza empresarial deve ser interpretado em conformidade com as Directivas Comunitárias designadamente com a disposição dos seus artigos 1º alínea b).

12) Na interpretação conforme às directivas comunitárias a expressão sem natureza empresarial deve ser aferida face à natureza funcional e não à natureza jurídica.

13) Deste modo, para qualificar uma determinada entidade como “organismo de direito público” é irrelevante quer a forma jurídica de que se reveste quer o regime jurídico a que está sujeita nos termos do direito nacional.

14) O que releva é, apenas e só, a circunstância de a entidade ter sido criada para satisfazer necessidades de interesse geral, sem carácter industrial ou comercial, ser dotada de personalidade jurídica e ser dependente do Estado, de autarquias locais ou de outros organismos de direito público.

15) Assim, não há que averiguar nem a natureza jurídica da entidade (se pública, se privada) nem a natureza jurídica dos actos por ela praticados (se públicos, se privados), designadamente, não há que averiguar se o regime jurídico a que a mesma está sujeita lhe confere poderes para a prática de actos regidos pelo direito administrativo.

16) O artigo 4º n.º 1 alínea e) do E.T.A.F. não exige que o autor do acto seja um ente público nem que os actos por ele praticados sejam actos administrativos para que os tribunais administrativos sejam competentes para apreciar o litígio em questão.

17) O artigo 4º n.º 1 alínea e) do E.T.A.F. faz referência aos actos pré-contratuais, sem distinguir. Não faz referência alguma nem à natureza jurídica desses actos nem a natureza jurídica dos seus autores. Ora, Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus.

18) Fazendo, como o artigo 8º n.º 3 da nossa Constituição impõe, uma interpretação do Decreto-Lei n.º 197/99 de 8 de Junho em conformidade com as Directivas supra referidas, é forçosa a conclusão que o aludido decreto-lei é obrigatoriamente aplicável aos procedimentos pré-contratuais adoptados pelos Hospitais S.A na medida em que 1º os Hospitais, S.A. foram criados para satisfazem necessidades de interesse geral, sem carácter industrial ou comercial, a saber, a prestação de serviços de saúde às populações, estando integrados no Serviço Nacional de Saúde, 2º sendo sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, gozam de personalidade jurídica e 3º são estreitamente dependentes do Estado, o seu único accionista (cfr. art. 1º, alínea b), segundo parágrafo da Directiva 92/50/CEE do Conselho de 18 de Junho de 1992 relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços e art. 3º n.º 1 do DL 197/99 de 8/6).

19) A douta sentença recorrida, em abono da sua tese, chama à colação a disposição do art. 6º do Decreto-Lei n.º 39/2002, de 26 de Fevereiro a qual já não se encontra em vigor, tendo a mesma sido revogada pelo Decreto-Lei n.º 188/2003, de 20 de Agosto (cfr. art. 42º n.º 1 al. b)).

20) É o próprio Decreto-Lei n.º 197/99 de 8/6 que define o seu âmbito subjectivo de aplicação nos seus arts. 2º e 3º, disposições que, conforme vimos, devem ser interpretadas em conformidade com as directivas comunitárias 97/52/CE, 92/50/CEE, 93/36/CEE e 93/37/CEE.

21) Para se saber se o DL 197/99 de 8/6 é ou não aplicável aos Hospitais S.A., há pois unicamente que recorrer às suas próprias disposições que definem o seu âmbito subjectivo de aplicação, sendo que as mesmas devem ser interpretadas e aplicadas em conformidade com as directivas comunitárias referidas...

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