Acórdão nº 06029/10 de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Junho de 2010
Magistrado Responsável | COELHO DA CUNHA |
Data da Resolução | 02 de Junho de 2010 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, no 2º Juízo do TCA -Sul 1- Relatório Abel …………………, intentou, no TAC de Lisboa, providência cautelar contra a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e a “ Cravo Fortes, Antão e Associado, SROC, sociedade de revisores oficiais de contas. Com sede em Aveiro (“Auditor Independente”), pedindo, i) A suspensão de eficácia do acto materialmente administrativo praticado pelo auditor independente – consistente na fixação, ao abrigo do disposto no n.º2 do artigo 188º do Código dos Valores Mobiliários, do valor mínimo da contrapartida da oferta pública de aquisição geral e obrigatória (OPA) sobre as acções representativas do capital social da “I…….. - Sociedade Internacional …………, S.A”, preliminarmente anunciada pelo requerente em 04.02.2009, e, II) A intimação da CMVM a abster-se de praticar o acto administrativo de recusa do registo da O.P.A. sobre as acções representativas do capital social da “I………… “.
Por sentença de 23.11.2009, a Mmª Juíza do TAC de Lisboa, indeferiu a providência cautelar requerida.
Inconformado, o A. interpôs recurso jurisdicional para este TCA-Sul, em cujas alegações enunciou as conclusões seguintes: I.
Vem o presente recurso de apelação da Sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou improcedente a providência cautelar requerida pelo ora Recorrente, com base no entendimento de que o acto de fixação da contrapartida mínima da OPA, praticado pelo Auditor Independente, não seria materialmente administrativo, razão pela qual não se verificaria, in casu, o pressuposto da alínea b) do n.°1 do artigo 120.° do CPTA.
II.
Sucede, porém, que o acto de fixação do valor mínimo da contrapartida da OPA é, de facto, materialmente administrativo, e, como tal, impugnável junto dos Tribunais Administrativos, nos termos e para os efeitos do disposto no n.°2 do artigo 51.° do CPTA, na medida em que constitui um (manifesto) poder público de autoridade conferido a urna entidade privada.
III.
Na verdade, a norma que conferiu poderes a um auditor independente para que este determine a contrapartida mínima de uma OPA é - ao contrário do sufragado na Sentença recorrida - uma norma de direito administrativo e n to de direito comercial (cfr. n.º2 do artigo 188º do Código dos Valores Mobiliários), pois visa tutelar um interesse público no quadro de um procedimento administrativo e com um enquadramento institucional de Direito Público -função típica das normas administrativas - que se consubstancia; (i) na protecção dos accionistas minoritários, por forma a garantir a saída daqueles por um preço justo; e (ii) na tutela da eficiência e regularidade do funcionamento dos mercados de valores mobiliários, em obediência a necessidades de prevenção geral.
IV.
Acresce que o Tribunal a quo, ao considerar que o acto praticado pelo Auditor Independente não seria materialmente administrativo, não interpretou o nº 2 do artigo 51.° do CPTA de forma favorável à apreciação do mérito do caso em apreço, pelo que violou o disposto no artigo 7.º do CPTA.
V.
Por outro lado, a Sentença recorrida interpretou de forma inconstitucional o disposto no n.° 2 do artigo 53.° do CPTA, uma vez que o acto praticado pelo Auditor independente deve, enquanto acto materialmente administrativo, ser considerado impugnável junto dos Tribunais Administrativos, nos termos e para os efeitos do disposto no n.°4 do artigo 268,° da Constituição.
VI.
Ao mesmo tempo, a pretensão de fundo do ora Recorrente jamais pode ser considerada como manifestamente improcedente, uma vez que o acto praticado pelo Auditor Independente padece (i) de erro de facto sobre os pressupostos; (ii) carece de fundamentação; e (iii) foi emitido com preterição do dever de audiência prévia do ora Recorrente.
VII.
Em face do supra exposto, é manifesto que, in casu, se encontra verificado o requisito "fumus non malus iuris", preceituado na alínea b) do n.°1 do artigo 120.° do CPTA.
VIII.
Noutro prisma, e além do pressuposto do "fumus non malus iuris”, a adopção de uma providência cautelar conservatória depende ainda da verificação do pressuposto do "pericilum in mora".
IX.
Ora, no caso em apreço, a decisão relativa à impugnação do acto praticado pelo Auditor Independente que vier a ser proferida no âmbito do processo principal não vai seguramente a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no presente litígio, uma vez que, caso os efeitos do acto do Auditor Independente não sejam imediatamente suspensos, a CMVM recusará, entretanto, - porque o ora Recorrente não completou, nem poderá razoavelmente completar o processo de instrução da OPA - o registo da OPA, o que constituirá uma situação de facto consumado que retirará toda e qualquer utilidade ao processo principal.
X.
Por outro lado, e para o caso de se entender que, in casu inexiste um fundado receio de uma situação de facto consumado - o que não se concebe -, a verdade é que a não suspensão dos efeitos do acto materialmente administrativo praticado pelo Auditor Independente e consequente recusa pela CMVM do registo da OPA produz prejuízos de difícil reparação para o ora Recorrente, a saber: (i) a sujeição do ora Recorrente a um processo contra-ordenacional; (ii) a violação do direito de o Recorrente lançar a oferta pública de aquisição obrigatória em causa por um preço equitativo e não por um manifestamente sobrevalorizado; e, por último, (iii) a inibição do ora Recorrente exercer os direitos de voto e de receber os dividendos inerentes às acções "que excedam o limite a partir do qual o lançamento seria devido".
XI.
Importa ainda notar que se a providência cautelar requerida contra o Auditor Independente não for decretada, a CMVM ficará em condições de recusar imediatamente o registo da OPA, o que prejudicará os próprios accionistas minoritários da I.........., e também o interesse público associado ao regular e saudável funcionamento dos mercados.
XII.
Por conseguinte, em caso de recusa do registo da OPA, os interesses públicos e privados, quando devidamente ponderados, convergem para o mesmo sentido: intimação da CMVM à abstenção da prática do acto administrativo de recusa do registo da OPA, pelo que a adopção da presente providência cautelar respeita o princípio da proporcionalidade e adequação.
XIII.
Em face do exposto supra, é evidente que a Sentença recorrida, ao julgar improcedente a providência cautelar requerida pelo ora Recorrente contra o Auditor independente, violou o disposto na alínea b) do n.º1 artigo 120º do CPTA.
XIV.
Assim, e dado que a providência cautelar requerida contra o Auditor Independente deve ser considerada procedente, e, em consequência, suspenso o acto de fixação da contrapartida mínima, deve também a CMVM ser intimada a abster-se de recusar o registo da OPA, uma vez que, no caso em apreço, se encontram verificados os pressupostos do decretamento da mesma, como, dias, se demonstrou, e para onde se remete, a propósito da suspensão de eficácia do acto administrativo praticado pelo Auditor Independente.
NORMAS VIOLADAS: artigos 1.° e alínea d) do n.°1 do artigo 4.°, todos do ETAF; artigos 2.°, 7.°, n.°2 do artigo 51.°, 112.° e 120.°, todos do CPTA; e artigos 20.°, n.°3 do 212.°e 268.°, todos da Constituição.
A contra-interessada C…….., F……., A…… e ASSOCIADO contra-alegou, concluindo como segue: 1.
O acto de avaliação do Auditor Independente, previsto no n.°2 do artigo 188,° do CVM, é um juízo de valoração técnica, não actuando o Auditor Independente designado segundo normas de direito administrativo.
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O Auditor Independente, sendo uma Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, é uma pessoa colectiva de direito privado e não um órgão da Administração Pública, não transmitindo, por via da sua autoria, a natureza administrativa aos actos que pratica.
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O Auditor Independente não exerce um poder público de autoridade, pois quem está constituída como autoridade, no processo de lançamento de OPA obrigatória, é a própria CMVM.
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Não existe qualquer "delegação" da CMVM no Auditor Independente para a prática do acto de fixação da contrapartida mínima em caso de OPA obrigatória, uma vez que a competência para essa fixação pertence, por inteiro, à referida Comissão.
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Na verdade, a CMVM, no processo de fixação da contrapartida mínima, cuja condução total lhe compete, e na impossibilidade de usar outros critérios (cfr. n.º1do artigo 188°, citado), solicita ao Auditor Independente a avaliação da sociedade cujo capital objecto da OPA, por forma a determinar o valor das acções representativas do seu capital.
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Não é, por conseguinte, o Auditor Independente que detém o poder originário e próprio de fixar a contrapartida mínima, sendo da CMVM a competência para obrigar ao lançamento de uma OPA.
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A avaliação do Auditor Independente é, assim, apenas uma fonte material do acto da CMVM de regulamentação da OPA obrigatória, não definindo a situação jurídica do obrigado à OPA nem restringindo o seu direito de propriedade.
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A matéria da regulamentação da OPA obrigatória apenas respeita, dado o seu carácter institucional, à CMVM, em virtude ser essa Comissão o órgão da Administração responsável pela imposição e condução do processo de lançamento da OPA e detentora dos poderes de autoridade correspondentes a essa condução - e cujos actos, esses sim, são susceptíveis de ser havidos como administrativos.
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O conceito de acto administrativo, no direito português, não se tem desprendido da ligação à sua prática por um órgão da Administração.
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O relatório técnico elaborado pelo Auditor Independente não é sindicável com vista à sua alteração conforme agrado do oferente.
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Embora não esteja sujeito ao direito administrativo, o relatório técnico do Auditor Independente não padece de erro de facto sobre os pressupostos nem de falta de fundamentação.
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O relatório técnico optou, correctamente, por determinar o valor da I.......... com base em métodos que têm em conta uma óptica estritamente patrimonial, porque assim o recomenda a teoria para os casos de negócios...
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