Acórdão nº 08673/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 29 de Março de 2012
Magistrado Responsável | ANA CELESTE CARVALHO |
Data da Resolução | 29 de Março de 2012 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.
RELATÓRIO Américo ~.................
, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 15/01/2012 que, no âmbito da ação urgente para declaração de demissão e inibição, instaurada pelo Ministério Público, nos termos do disposto nos artºs 1º e 3º da Lei nº 4/83, de 02/04, na redação da Lei nº 25/95, de 18/08, dos artºs 11º e 15º da Lei nº 27/96, de 01/08 e ainda dos artºs 46º, 99º e 191º, do CPTA, julgou a ação procedente, declarando a inibição do ora recorrente para o exercício de cargo que obrigue à entrega de declaração de património, rendimentos e cargos sociais junto do Tribunal Constitucional, por um período de três anos.
Formula o aqui recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 176 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem: “I. O recorrente foi demandado pelo MP, para inibição (que a sentença recorrida fixou em 3 anos) do exercício de cargo que obrigue à declaração de rendimentos, património e cargos sociais junto do TC.
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Porém, não ficaram articulados nem, por isso mesmo, se provaram factos que dissessem respeito a uma atuação culposa do recorrente, quando não apresentou as Declarações julgadas necessárias tanto pelo MP recorrido, como até pelo TC, em sentença transitada.
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Desde logo, não é a circunstância do trânsito da sentença do TC (que, por fim, se orientou perante certas dúvidas para o cabimento dessas Declarações) a constituir direito vigente, de serem mesmo necessárias como dever legal sujeito a sanção.
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Por isso mesmo, também o desrespeito da sentença do TC, nada significa do ponto de vista da culpa, que apesar de tudo, no caso concreto está indexada, sim, às primeiras faltas das Declarações e não às últimas, para as quais a decisão judicial concedeu mais prazo: vale o princípio da tipicidade.
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E, nestes termos, continua a ser exigível a articulação da culpa, isto é, o convencimento esclarecido do dever de apresentar as Declarações e o impulso de vontade no sentido de não cumprir, não as apresentar.
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Ora, o recorrente defende e está convencido de não ter de apresentar as declarações, por não ter sido designado por entidade pública para o mandato na TAGUS PARK que exerceu, mas sim eleito, com abstenção do sócio de estatuto publicístico, em candidatura apresentada por sócio que é uma entidade privada.
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De qualquer forma, o MP, como já se acentuou, não articulou contra o recorrente que soubesse e quisesse infringir a lei: factos também não há desta natureza, no probatório, nem de negligência - nenhuns no plano subjetivo.
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Aqui, continua. Para além do mais, a ser argumento ponderável, nesta direção de não caber a procedência do pedido sancionatório, que lei posterior - alt. Lei 4/83, de 02.04, pela Lei 38/2010, de 02.09 - tenha desobrigado da Declaração quem quer que tivesse sido provido em funções nas circunstâncias do recorrente.
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Na verdade, segundo o disposto nos art.° 18,°/3 e 32.°/10 CRP, todo o direito sancionatório, como é caso do enquadramento juridico - normativo da lide, foi cooptado para o campo que define o âmbito e alcance do direito penal.
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Por isso mesmo, valem para o direito sancionatório os princípios da presunção de inocência e da aplicação da lei mais favorável ou de desqualificação das infrações.
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Àquele principio da presunção de inocência, inscrito na culpa como conceito humanista, proposto e imposto pelo art.° 1º CRP, exige no plano da aplicação imediata das garantias e direitos fundamentais, a tematização da subjetividade infracional, a tipicidade sancionatória, a relevância da lei posterior não abrasiva.
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Em suma: a impropriedade processual, a caducidade do direito de ação e a falência do probatório (no domínio da culpa do recorrente) impõem a improcedência do pedido.
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Em termos colaterais, o recorrente argui a inconstitucionalidade dos art.° 1.º/1 e 2.°/1.3 e 3.°/1 da Lei 4/83, 02.04 (red. Lei 25/95, de 18.08), na interpretação de poderem prescindir de uma estrutura culposa sancionatória.”.
Conclui, pedindo a procedência do recurso.
*O recorrido, Ministério Público, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 195 e segs.), assim tendo concluído: “1 – Tendo o A. deitado mão da forma de processo Ação Administrativa Especial, quando à causa de pedir e ao pedido formulado corresponde, exatamente, essa forma de processo, não há qualquer erro na forma de processo ou impropriedade do meio processual empregue – art.s 15º, n° 2 da Lei n.° 27/96, de 1 de agosto e 191° do CPTA.
2 – Apenas com a resposta do Conselho de Administração de T............, S.A., através do ofício datado de 16-11-11 e recebido em 18 de novembro, ficou o Ministério Público de posse dos elementos que configuram o conhecimento dos “fundamentos da ação”, contando-se, assim, desta data de 18-11-11, o prazo de 20 dias estabelecido no n° 3 do art. 11º da Lei n° 27/96, para a propositura da mesma.
3 – Ora, a ação foi proposta no dia 21 de novembro de 2011 (2ª feira), ou seja três dias após a receção do último documento de instrução, muito antes de expirar o prazo dos vinte dias, havendo que concluir, como na douta sentença em crise, que a presente ação é tempestiva.
4 – Enquanto membro da Comissão Executiva da “T.............. – S.A.”, sociedade de economia mista de capitais maioritariamente públicos, nos termos e para os efeitos previstos na alínea b) do n.° 3 do art. 4º da Lei n.° 4/83, de 2 de abril, na versão revista pela Lei n.° 25/95, de 18 de agosto – o demandado encontrava-se abrangido pelo disposto nesta alínea, e, consequentemente, sujeito ao dever de apresentação das declarações de rendimentos, património e cargos sociais, previsto nos arts. 1°, n.° 1, e 2°, n.° 1, do referido diploma, bem como ao dever de renovação anual das respetivas declarações, previsto no n.° 3 do mesmo art. 2°.
5 – Importa não esquecer que o Tribunal Constitucional, no âmbito do processo n° 201/2011, por douto acórdão de 14-04-11, que a sentença recorrida transcreve, confirmou a obrigação de o R. apresentar as declarações em falta.
6 – Acórdão este que faz caso julgado sobre a existência, nesse caso concreto, do dever de apresentação da declaração – n° 3 do artigo 109.° da Lei n° 28/82, de 15 e N6vembro – ficando a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, esquecendo o recorrente que a autoridade do caso julgado implica a aceitação de tal decisão anteriormente proferida.
7 – No dia 26 de abril de 2011 foi o R. notificado do conteúdo do referido acórdão do TC (aviso de receção assinado pelo próprio), e ainda para, apresentar, no prazo de trinta dias consecutivos, a declaração de património, rendimentos e cargos sociais relativa ao início ao início (ano 5-5-2008), à renovação anual (ano de 2009) e cessação de funções (08-06-2010). Na mesma notificação, foi ainda advertido para a parte final do n° 1 do artigo 3º da Lei n° 25/95, de 18 de agosto, «sob pena de [ ...] incorrer em inibição por período de um a cinco anos para o exercício de cargo que obrigue à referida declaração.
8 – Porém, apesar de tal advertência, o Réu, sem que para tal apresentasse qualquer motivo justificativo, não apresentou, nos trinta dias seguintes à notificação, a respetiva declaração de património, rendimentos e cargos sociais.
9 – Pelo que, comprovando-se nos autos, sem qualquer controvérsia que o R., não cumpriu a obrigação em causa e mesmo após prévia notificação do T.C., contrariamente ao defendido, estão articulados e provados os factos consubstanciadores do incumprimento culposo.
10 – Aliás, ao invés do sustentado, cabia-lhe a ele demonstrar que tal atuação não se ficara a dever a culpa grave da sua parte - art.s 342° CC e 10.º da Lei n° 27/96, de 1 de agosto.
11 – O Tribunal Constitucional também teve oportunidade de apreciar a questão da aplicação no tempo da Lei n.° 38/2010, de 2 de setembro, com referência às alíneas b) e c) do n° 3 do artigo 4° da Lei n° 4/83, por introduzidas pela Lei n.° 25/95 e concluiu que as alterações introduzidas por esta Lei n.° 38/2010 apenas operam para o futuro, não produzindo retrospectivamente qualquer efeito esonerador.
12 – Omite o recorrente que o incumprimento em causa nos autos não é por lei caracterizado como crime, ou sequer contraordenação, constituindo antes sanção meramente administrativa que não se revela excessiva ou desproporcional e inadequada face à natureza daquela omissão e à gravidade daquele comportamento.
13 – Não havendo, assim, lugar à aplicação do princípio da presunção de inocência, próprio da legislação penal.
14 – Não ocorre a apontada inconstitucionalidade dos art.° 1.º/1 e 2.°/1.3 e 3.°/1 da Lei 4/83, 02.04 (red. Lei 25/95, de 18.08), pois, já atrás se concluiu que o demandado agiu com culpa ao não cumprir as suas obrigações, de igual modo se verificando a ilicitude da conduta por violadora dos aludidos preceitos da citada Lei 4/83.
15 – As normas em causa constituem um afloramento dos princípios da transparência, da confiança e da prossecução do interesse público, visando, pois, acautelar os deveres de isenção e de desinteresse pessoal no exercício daquelas funções.
16 – Sendo certo que, os factos constantes da petição inicial e da douta sentença recorrida, são os que constam do citado Acórdão do Tribunal Constitucional n° 201/2011, cuja fundamentação a sentença transcreve e que se dá aqui inteiramente por reproduzido, pelo que a interpretação feita daquelas disposições e consequente aplicação ao Réu, não viola qualquer dos princípios constitucionais.
17 – Destarte, salvo melhor entendimento, improcedem todas as conclusões da alegação do recorrente.”.
*O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, não emitiu parecer.
*O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à...
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